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Arthur Lydiard - Fase 2 Plano De Treino

Nas pegadas de Arthur Lydiard – Técnica e Fortalecimento (Fase 2)

Concluída a primeira parte do plano de treinos de Arthur Lydiard, entrei recentemente na segunda fase dos trabalhos. Isto após “rolar” tranquilamente, durante 2 semanas, a fim de recuperar um pouco do esforço da maratona. Esta segunda fase existe para o atleta fazer uma transição controlada entre a fase anterior, dedicada a evoluir a sua capacidade aeróbica, e a fase seguinte, na qual já irá dedicar tempo significativo à vertente anaeróbica.

Posto isto, ainda antes de apresentar esta fase 2, importa referir que ela é a mais debatida de todo o método de Arthur Lydiard. Entre os vários entendidos da comunidade, há quem a considere a mais importante de todo o plano. Em contrapartida, também há quem lhe coloque o rótulo de dispensável. Mas esta é uma conversa para mais tarde. Já de seguida, vamos ver o que trata esta segunda etapa do plano.

 

Fase 2 – Técnica, Resistência e Velocidade

Esta fase tem uma duração generalizada de 4 semanas, dividida nas seguintes componentes:

  • 3 treinos num circuito inspirado no de Arthur Lydiard
  • 3 treinos de trabalho de velocidade de pernas / acelerações em modo relax
  • 1 treino longo

Em relação aos atletas em regime de treino bidiário, mediante o possível, o outro treino do dia deve ser de 30 minutos lentos, com vista à recuperar do esforço dos exercícios diários. Um complemento que, não sendo obrigatório, será naturalmente benéfico.

 

O Circuito de de Arthur Lydiard

A imagem seguinte, presente no livro “Healthy Intelligent Training”, da autoria de Keith Livingstone, ilustra o circuito original de Arthur Lydiard. Portanto, segundo a figura, é necessária uma subida, uma parte plana no topo e na base da mesma, e uma descida.

 

Arthur Lydiard - Circuito de Subidas

 

Como é fácil perceber, isto pode ser reajustado. Por exemplo, a subida e a descida podem ser a mesma estrada. Nota também para o gradiente da rampa que deve ser razoável. Isto é, não se deve enfrentar uma autêntica parede na fase de ascensão, nem serem necessárias forças exageradas de travagem durante a descida.

No que diz respeito a distâncias, uma/duas rampa(s) de 300 a 400 metros é suficiente. Consta que a utilizada pelos atletas de Lydiard tinha cerca de 800 metros. Contudo, a certa altura era plana, pelo que os seus atletas aplicavam os exercícios na primeira parte da subida, depois corriam a trote, e, na parte final, retomavam os exercícios até alcançarem o topo. Por aqui se percebe como é fácil ajustar este trabalho às condições de cada um, nos seus locais de treino.

 

Técnica e fortalecimento na fase de ascensão

O circuito começa precisamente na estação mais dura, ou seja, na fase de ascensão. A partir da base do circuito, o atleta dirige-se para o topo, executando um de três exercícios possíveis. Para facilitar pesquisas para lá deste artigo, caso decidam investigar este processo mais a fundo, vou utilizar os nomes mais conhecidos dos exercícios. São eles:

  • Steep Hill Running
  • Hill Bounding
  • Hill Springing

Para demonstração dos mesmos, nada me parece melhor que o vídeo para o efeito da Lydiard Foundation:

 

 

Estes exercícios permitem aprimorar a técnica de corrida e ao mesmo tempo fortalecer alguns músculos fundamentais para a práctica do atletismo. Com o vídeo anterior a demonstrar muito bem o que se pretende, depois do que li e experienciei até à data, quero destacar duas notas importantes.

A primeira é não subestimar estes exercícios! Eles exigem bastante da “máquina”! Os músculos vão estar espalmados no dia seguinte, pelo que convém não exagerar na carga de repetições do circuito, em cada dia. É melhor começar com poucas repetições e fazer ligeiros incrementos.

A segunda é que cada exercício tem a sua particularidade. A sua execução permite perceber que alguns são mais desgastantes que outros, embora os mais exigentes nos levem mais rapidamente ao topo. No primeiro dia, talvez seja melhor o uso exclusivo do Steep Hill que, quer-me parecer, é o menos exigente em termos de musculatura, ainda que seja mais demorado.

Depois da tão desejada chegada ao topo, por lá deve ser feito um jogging muito pacífico de 3 minutos, na tal estrada ou trilho plano.

 

A fase de descida do circuito

Ultrapassados os 3 minutos de jogging, onde é importante recuperar muito bem, é tempo do atleta se lançar pela encosta abaixo. Na descida, o mais importante é correr relaxado e tentar alargar um pouco a passada (sem overstrinding!). O objectivo é precisamente desenvolver esta capacidade de correr rápido e relaxado. Daí a importância de não ser uma descida vertiginosa. Não se pretende ir sempre a travar e a inclinar o corpo para trás, com medo de cair. De facto, para além da passada um pouco mais alongada, também deve haver uma ligeira inclinação do corpo para a frente, libertar a tensão das costas, e seguir o mais rápido possível. Sem forcings!

Não esquecer que, mais do que as subidas, as descidas exigem muito dos músculos e provocam grandes impactos na estrutura do corpo humano. Dois motivos que devem fortalecer os cuidados com a recuperação e com o não exagero de repetições do circuito.

 

Windsprints na base do circuito

De regresso à base, o atleta tem duas escolhas. Ou se lança novamente pela montanha acima, ou executa aquilo a que Arthur Lydiard chama de windsprint. Basicamente, o windsprint é uma aceleração controlada (relaxada e sem grande forcing), de 50, 100, 200 ou 400 metros, executada na base plana do circuito. De preferência, a favor do vento. Nos mais curtos, pode-se repetir. Do tipo: 4 x 50m; 2 x 100m; 2 x 200m.

Ora, esta aceleração em velocidade cruzeiro, ainda que em terreno plano, é mais uma prova da exigência deste circuito. Caso a repetição contenha o exercício de subida, a descida rápida, e ainda um windsprint, então são 3 etapas exigentes em 4 possíveis. Por este motivo, Lydiard recomenda a execução de um windsprint apenas a cada 15 minutos de duração do circuito.

Infelizmente, não consegui descobrir o tempo recomendado de descanso/jogging, quando o atleta chega à base do circuito, após a descida. Seja para retomar a subida ou para executar um windsprint. Nem no livro “Running with Lydiard“, nem no já referenciado de Keith Livingstone, nem noutros documentos que abordam esta metodologia. Desta forma, o que costumo fazer é dar 1 minuto de intervalo entre a descida e nova ascensão. No caso de ter um windsprint pelo meio, dou pouco mais de 1 minuto antes de o executar, e 3 minutos antes de voltar a subir. Seja a caminhar ou em jogging.

ADENDA 22-03-2020: O intervalo de recuperação entre a descida e os windsprints deve ser um jogging de 100 metros. Obrigado ao João Pateira por estas indicações.

 

Os dias de intervalo entre circuitos

Entre os dias passados nas montanhas a executar os circuitos de Lydiard, o programa aponta para dois outros exercícios. O treino da “velocidade de pernas” e as “acelerações em modo relax“. Eis o que se pretende de cada um deles:

Velocidade de pernas – Acelerações entre 100 e 120 metros, cujo objectivo é relaxar a parte superior do corpo e executar a rotação das pernas o mais depressa possível. Focar principalmente neste segundo aspecto, a fim de ultrapassar a viscosidade nas pernas e assim desenvolver boas velocidades. Três minutos de jogging entre repetições.

Acelerações em modo relax – Um exercício muito semelhante ao windsprint. Acelerações de 100 metros, com 300 metros de jogging de intervalo, nas quais se deve procurar correr relaxado, exagerar um pouco no levantamento dos joelhos, e ter em atenção o alongamento da perna de apoio na sua fase de abandono do solo.

Em ambos os exercícios, e à semelhança do que deve acontecer com os circuitos, não descorar uns 15 minutos de aquecimento, e um igual número para o arrefecimento. O número de repetições é variável, mas mais uma vez alerto: não subestimem o desgaste provocado por estes exercícios.

 

O treino longo da semana

O treino longo completa a semana de trabalho. Segundo as ideias de Lydiard, arrisco dizer que este termo corresponde a 90 minutos ou mais. Aqui, outra dúvida se levanta. Deve o treino longo, nesta fase, ser lento, ou rápido? A meu ver, o objectivo deste treino é manter algum trabalho semanal no patamar do limiar aeróbico, ponto que preencheu por completo a fase 1. Nos outros dias, e de uma forma controlada, o trabalho já é um pouco anaeróbico, com vista à preparação para as fases seguintes.

Todavia, se houver exageros durante a semana, existe grande probabilidade dos músculos estarem espalmados e massacrados no dia do longo. Aliás, no final da primeira semana deste trabalho, é mais do que previsível o corpo queixar-se das mudanças da rotina. Assim sendo, talvez seja mais sensato não forçar o andamento quando as sensações forem estas.

ADENDA 22-03-2020: Segundo as ideias de Lydiard, o treino longo nesta fase deverá ser no mínimo de 2 horas, à semelhança do que já recomendava para o treino mais longo da fase anterior. Segundo referências neste post, devido à intensidade dos exercícios, o ritmo do treino longo semanal deve ser tranquilo/lento. Obrigado ao João Pateira por estas indicações.

 

Rumo aos 160K segundo Arthur Lydiard – Fim da Fase 1

 

As opiniões divergentes sobre o circuito de Lydiard

Como referi antes, esta fase do plano de treinos de Arthur Lydiard é a que levanta mais dúvidas. Por dois motivos em especial.

O primeiro prende-se com as várias alterações que Lydiard foi fazendo ao longo dos tempos. Num primeiro momento, esta fase do método durava 6 semanas e o circuito ocupava todos os dias de treino. Porém, com o avançar dos anos e da investigação, o treinador neozelandês começou a reduzir os circuitos para 3 dias da semana e a duração da fase para 4 semanas e, mais tarde, chegou mesmo a apontar para 3.

Segundo, e em parte consequência do primeiro, as reacções de atletas e treinadores divergem. Alguns consideram esta fase como a mais importante do plano, outros a menos. Alguns até a consideram dispensável! Todavia, também há quem a tenha descartado depois de a pôr em práctica e, mais à frente, ter chegado à conclusão que não devia ter abdicado dela.

Por estranho que possa parecer, tudo isto faz sentido! Ao alterar esta fase do método ao longo de algumas décadas, Lydiard deu aso a diferentes interpretações, consoante as declarações dos seus atletas e pontos de vista daqueles que o estudaram. É como pegar num texto e dar a duas pessoas que o vão traduzir para duas línguas diferentes. Uma má interpretação ou tradução errada de uma palavra pode mudar todo o sentido da mensagem. Aqui é um pouco a mesma coisa, pelo que o melhor é pôr em práctica.

Por fim, ter em consideração que o circuito foi implementado há mais de 50 anos também é importante. Nos dias que correm, existe uma maior variedade e divulgação de exercícios, dentro e fora de portas, para estimular o desenvolvimento de cada músculo em específico. Não tenho conhecimentos para dizer se tais exercícios são capazes de substituir este trabalho idealizado por Arthur Lydiard. Porém, acredito que possam ter tido impacto na avaliação de alguns estudiosos em relação a este método.

 

E quem não tiver subidas ao dispor? Ou estiver de quarentena?

Segundo o próprio Lydiard, a questão das subidas tem o seu peso neste trabalho. Nomeadamente, no que toca à prevenção de lesões no tendão de Aquiles e ao desenvolvimento da flexão do tornozelo. No entanto, o próprio diz que estes exercícios podem ser feitos em terreno plano, mas complementados com exercícios como o seguinte. O vídeo é curto, mas dá para perceber a ideia.

 

 

As escadas também são uma alternativa possível. Desfrutem do circuito!

No próximo artigo, incidirei sobre as minhas experiências e conclusões sobre esta fase do plano. Quer as que passei nos últimos dias, quer quando a pus em práctica no primeiro trimestre de 2018. Com a chegada do COVID-19, o mais certo é ter de recorrer ao passado para poder complementar este artigo com um feedback mais práctico. Pelo mesmo motivo, depois desse artigo, esta rubrica corre o risco de ficar em hiato por muito tempo, pois as circunstâncias actuais exigem mudanças e readaptação. A ver vamos.

 

Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.

Imagem de Capa: Niyas Khan em Unsplash

Fontes: “Running with Lydiard”, de Arthur Lydiard & Garth Gilmour; “Healthy Intelligent Training – The Proven Principles of Arthur Lydiard”, de Keith Livingstone;

 

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

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