A teoria aqui partilhada não é nova. Para ficarem com uma ideia, o vídeo que…
Ensinamentos de John Kellogg
Como alguns de vocês devem estar recordados, em Setembro de 2019, iniciei aqui uma rubrica dedicada à metodologia de Arthur Lydiard. Na altura, foi um regresso aos ensinamentos deste treinador neo-zelandês, que já antes me tinham proporcionado bons resultados. Quando aqui comecei a escrever sobre o assunto, a ideia era partilhar a parte teórica, segundo as minhas consultas e interpretações, aliada aos resultados, sensações e aprendizagens alcançadas nos treinos e provas em que participava nessa época.
Alguns meses depois, chegou a pandemia, e vi-me forçado a colocar a rubrica em hiato. Desde então que o meu treino, pelas mais diversas razões, mas sobretudo pela incerteza, nunca foi devidamente estruturado, apesar de me manter assíduo e dedicado ao atletismo. Já num passado mais recente, quando se reuniram condições para estabilizar, as provas rápidas despertaram a minha atenção para a velocidade e outras experiências meteram-se pelo caminho. Já em finais de 2021, dediquei-me a terminar leituras pendentes que tinha por aqui espalhadas, sobre atletismo, a fim de começar a “apertar o cinto”. Ou seja, entendo que chegou a altura de racionar a informação adquirida em vez de continuar a alargá-la. Só dessa forma poderei focar e aprofundar os conceitos e as ideias que considero mais importantes, após esta longa jornada a virar páginas, a fazer scroll e a fazer de cobaia na estrada. Claro que haverá sempre espaço para novos acréscimos e afinações. Todavia, tais ajustes deverão ser em torno de um plano paciente e já devidamente estruturado.
Ora, uma dessas minhas últimas leituras incidiu nas convicções de John Kellogg em relação ao atletismo. Uma metodologia que achei muito interessante, e que hoje aproveito para divulgar à comunidade portuguesa deste mundo. Porém, deste já alerto que este artigo é pouco mais do que uma “repartilha” do excelente trabalho compilativo executado por John Davis. Em 2012, o autor do blog Running Writings, teve o cuidado (e a trabalheira!) de reunir as várias respostas de Kellogg no fórum letsrun.com, às quais juntou conteúdos deste guru do running presentes no paragonrunning.com, entre outros sites. Como explica o autor do trabalho, alguns destes espaços já não existem na internet. Os sites vão e vêm, havendo risco de se perderem conteúdos valiosos. Davis achou que os ensinamentos de Kellogg eram demasiado importantes para se perderem, e então criou o PDF que podem encontrar e descarregar aqui. De facto, após a leitura do documento, só posso concordar com ele, e daí ter nascido este artigo.
Acontece que o documento em causa tem cerca de 322 páginas. Para os mais malandros, ou para aqueles que não têm tempo para estar a ver se o conteúdo é realmente interessante – pois deviam estar na estrada a “meter quilómetros” nas pernas (compreendo a vossa necessidade) – deixo alguns apontamentos que caracterizam as convicções de Kellogg, explicadas pelo próprio numa linguagem muito peculiar. E não se assustem com a extensão do documento. Embora dita de forma diferente, alguma informação é repetida (o que confere coerência às ideias do autor), resultado das várias perguntas dos seus interlocutores.
Em resumo, a metodologia de John Kellogg assemelha-se muito à de Arthur Lydiard. Da perspectiva de Kellogg, sempre muito seguro das suas convicções, Lydiard desenvolveu um método quase perfeito, em tempos onde era muito mais difícil chegar-se a conclusões acertadas, dado o escasso histórico (a todos os níveis) de atletismo que existia nessa altura. O documento tem mesmo uma secção final dedicada a este tema.
Da minha parte, a diferença que saltou logo à vista entre os dois diz respeito ao trabalho de rampas com vista à afinação da técnica de corrida e fortalecimento dos músculos. Lembro que Arthur Lydiard tem uma fase, logo após a “construção da base de treino”, dedicada a isto, por via do “Circuito de Lydiard”. Nesse pequeno ciclo, o atleta passa cerca de 3 dias da semana, durante pelo menos 4 semanas, no circuito. Por seu lado, Kellogg distribui este trabalho quase ao longo de todo o ciclo de treino, com diversos exercícios e diferentes intensidades no confronto do atleta com as rampas.
Em sentido contrário, o ponto de maior concordância entre ambos é a necessidade de uma longa fase de endurance no início de cada ciclo de treino, quero dizer, o incrementar gradual da quilometragem semanal. Na verdade, Kellogg justifica a queda de resultados dos norte-americanos, após as década de 60 e 70 do século passado, por se ter convencionado que uma quilometragem mais curta e mais intensa produziria melhores resultados. A divisão da temporada em, preferencialmente, 2 ciclos de treino (entenda-se, picos de forma) por ano, é outro ponto de convergência.
A terminar, de salientar a maneira como o treinador se bate contra os estudos científicos que tentam replicar as condições de treino ou de prova dos atletas, dos quais os seus autores, ou influencers do ramo, tiram conclusões generalizadas que facilmente entram em voga. Grande parte dessas ilações não passam no crivo desportivo de John Kellogg, já que este defende que não é possível replicar todas as variantes que condicionam o rendimento desportivo de um atleta durante o exercício (real). Há sempre algo que não é igual e que pode fazer toda a diferença. Para não falar que todos os atletas têm as suas peculiaridades. A alternativa de Kellogg, implícita em grande parte do seu plano, é estar atento aos pedidos do corpo (para reduzir ou aumentar o ritmo), sem nunca comprometer uma postura de corrida relaxada, ao invés de seguir valores matemáticos, lógicos, ou de outro tipo semelhante que possamos programar no relógio ou na nossa cabeça. Até porque, e um pouco como a meteorologia, nem sempre nos apresentamos em treino ou prova nas condições expectáveis. Às vezes para nosso desgosto, noutras para nosso gaúdio.
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
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