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Meia Maratona De Viana Do Castelo - Manuela Machado 2020

Seis Anos de Aventuras no Atletismo!

E vão seis! Poderia deixar passar este 12 de abril, visto que, neste último ano, apenas competi por duas vezes. Porém, ainda que a competição seja para mim o momento alto desta paixão amadora-profissional, o atletismo é muito mais do que isso. Em tempos de pandemia, onde o mais previsível seria este pilar – tão precioso nos últimos anos da minha vida – tremer ou ruir, a verdade é que ele saiu mais reforçado, apesar da ausência dos momentos mais desejados (as provas). Mas a isto, já lá vou. Antes, uma pequena história dentro desta história.

Nunca fui rico, mas também nunca nada me faltou. Honestamente, penso que isto me dá uma visão mais alargada em algumas coisas. Porque o rico, em muitas situações, não consegue entender o que o pobre sente, e vice-versa. Contudo, quando nos situamos a meio deste intervalo, enfrentamos algumas situações na posição de ricos, e outras na posição de pobres, o que se revela uma experiência preciosa. Estes acontecimentos poderiam ser exclusivos dos bens materiais, mas não me parece que assim seja. As mentalidades são igualmente afectadas. De facto, serão elas as maiores responsáveis pelas percepções, sacríficios e sensibilidades diferentes, muitas vezes impossíveis de compreender (por mais que se queira) por quem está do outro lado deste intervalo social.

Ora, se houve experiência de vida que este ano de atletismo, inserido em contexto de pandemia, me trouxe, foi esta espécie de viagem entre o que é ser-se rico e pobre em termos desportivos. Se antes tinha um calendário altamente preenchido em termos competitivos, de repente, vi-me na miséria. Sem calendário e quase obrigado a aprender a viver e a ser feliz nessas condições. Enquanto antes reencontrava vários amigos com regularidade – sendo que com alguns deles até nem trocava uma palavra, as pernas e os cumprimentos é que falavam por nós – com urgência vi-me forçado a hibernar por mais de um ano e a ter de encontrar prazer nesse sono melancólico prolongado. Resumindo, como o rico que nunca foi pobre, só fui capaz de compreender este drama quando tudo isto me foi tirado.

Por outro lado, existe algo que nunca nos podem roubar, que eu tanto invejo e admiro em algumas pessoas mais novas, mas, sobretudo, nas vais velhas: a experiência acumulada, ao longo de anos e anos de dedicação. Aqui, não há maneira de ficarmos mais pobres, apenas mais ricos, a cada dia que passa, sendo o trabalho árduo que exercemos diariamente bem pago. Não apenas de uma forma que nos permite viver e sonhar com as grandes competições, mas também porque nos torna mais versáteis quando tudo muda drasticamente, como aconteceu este ano. Este vencimento a que tenho direito por cada dia que me coloco ao serviço do atletismo – e que não me pode ser tirado; uma espécie de débito directo que não posso cancelar – não é pago em dinheiro, mas em lições e compreensões importantes. E uma delas, que considero a mais essencial nestes tempos difíceis, foi a capacidade de reconhecer, a um nível mais profundo, a interdependência entre a vida que tenho dentro e fora do atletismo. Isto é, a maneira como quando um lado está em mau estado isso tem repercussões no outro, e vice-versa, assim como quando estão bem. E quanto mais isto se torna claro na minha cabeça, mais fácil me adapto aos momentos em que não posso pôr à prova as minhas capacidades com as de outros atletas. E, para provar isto mesmo – para lá das reflexões que tenho descarregado neste espaço – não preciso de ir muito longe. Rapidamente, recordo a Maratona de Sevilha, onde a minha prestação pagou caro o desgaste extra-atletismo dos dias anteriores. Num exemplo mais regular, destaco os treinos que me deixam vazio, mas onde renasço como a fénix. Treinos logo após os quais: encontro soluções para problemas que tenho de resolver na minha vida; sinto as ideias e a criatividade a fluirem na minha cabeça; Resultado? Uma grande poupança nas horas extra de sobressalto e de indecisões. Uma satisfação enorme por ter cumprido o treino e uma alegria por ter coisas para executar no futuro.

Em suma, cortar num destes lado, significa cortar também no outro. E, no meio de tudo isto, a competição quase fica de fora. Como se ela vivesse numa dimensão à parte, de grande privilégio, mas, ironicamente, acessível a pobres e ricos. A competição é como o topo de uma pirâmide. Incapaz de se segurar sozinha sem uma base, é um sítio demasiado estreito para lá estarmos demasiado tempo. Um cubículo onde, mais tarde ou mais cedo, sentimos falta dar e temos de descer aos niveís inferiores da pirâmide. E são eles que nos valem. É na base e nos níveis intermédios desta pirâmide que se juntam as várias vertentes da nossa vida e onde há espaço para circular e respirar sem dificuldade. Espaços amplos que, ligados entre si por escadarias e corredores, fortalecem a nossa saúde, dão-nos tranquilidade, alegria e bem-estar. Neste último ano, impossibilitado de subir ao topo desta pirâmide, foi da maneira que circulei com mais atenção pelas outras divisões e percebi que também aqui há uma imensa riqueza à qual devo prestar mais atenção. E que, mesmo sem um tostão, a alma e o coração ninguém me pode roubar. Nem os tornar mais pobres. As experiências e as aventuras dali não saem, e há sempre espaço para mais! Quanto mais diversas, não só se torna mais fácil compreendermos realidades muito distantes da nossa, como temos uma maior aptidão para nos adaptarmos a mudanças radicais quando batemos de frente com elas. Seja nos treinos, seja na vida. É isto que eu levo deste ano.

 

Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.

Créditos Foto: José Cunha (Flaxjac)

 

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

Este artigo tem 2 comentários

  1. caro Sousa, parabéns. Escreve muito bem. É excelente poder ler desta forma sobre um desporto que me apaixona. Sou apenas atleta amador com 52 anos e 32 de corrida, numa base de 5x semana, entre 10 e 25 km. Infelizmente as minhas prestações nao descem dos 42′ mas a qualidade de vida e prazer que proporciona é inquestionável. abc anibal Gaspar

    1. Olá Sr. Aníbal Gaspar,
      antes de mais, obrigado pela visita a este espaço e pelos elogios. 32 de anos de corrida? Uau, isso é que é um histórico! Nem consigo supor o número de aventuras que você deve ter para contar.
      Ainda sobre o que disse, concordo totalmente com a sua última frase. Aliás, em tempos de pandemia, e embora eu seja muito competitivo, aprendi a dar mais valor a esse prazer inquestionável, pois, em grande parte, foi ele que segurou a minha “sanidade mental” em tempos de confinamento.
      Sobre os 42′, penso o seguinte: acredite sempre! Quando menos esperamos, havendo trabalho, os sonhos podem acontecer. Eu comecei tarde nestas andanças para alguém que sonha tão alto. Mas também não consigo desmotivar quando vejo e compito com tantos veteranos que, com prestações formidáveis, levam a melhor sobre mim. São fantásticos!
      Bons treinos e Saúde! E, caso isto melhore, quem sabe um dia a gente não se cruze numa prova 🙂
      Abraço!

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