Como alguns de vocês devem estar recordados, em Setembro de 2019, iniciei aqui uma rubrica…
Antes do atletismo de estrada, a fibra de carbono mudou o salto com vara!
A minha entrada no atletismo levou-me a dar mais atenção aos principais eventos mundiais ligados a este desporto. Foi assim que comecei a acompanhar algumas disciplinas mais técnicas. Até agora, enquanto espectador, o salto com vara foi o que mais me despertou interesse. Os varistas, com a ajuda do público, conseguem criar um ambiente fantástico em torno da competição. Ao mesmo tempo, a emoção e a incerteza verificam-se até ao final da disputa, muito por força das várias cambalhotas na liderança que o sistema das 3 tentativas permite.
Eu já fazia intenções de falar mais sobre o salto com vara, aqui no Vida de Maratonista, nos próximos tempos. No entanto, devido ao aceso debate sobre a tecnologia das sapatilhas modernas, eis que me vejo “forçado” a colocá-lo mais cedo no centro das atenções. Comparar o dilema atual com a evolução que a vara sofreu ao longo dos tempos não me parece nada desajustado. Afinal de contas, não incidem ambos os casos nos materiais utilizados?
O paralelismo entre as sapatilhas e a vara
Vejamos os registos cronométricos da maratona. Os tempos evoluíram muito deste que Johnny Hayes correu a distância (pela primeira vez com a medição atual) em 2h55m18s. Deste registo para as 2h01m39s de Eliud Kipchoge, a diferença é realmente brutal. Porém, não preciso de ir longe para perceber o impacto das gerações. Eu, que não sou um atleta profissional, com o meu recorde pessoal de 2h35m04s fico quase a meio caminho destes dois.
Atentemos agora na evolução que se verificou no salto com vara desde a primeira edição dos Jogos Olímpicos (Atenas 1896), onde o norte-americano William Hoyt saltou 3,30 metros. Atualmente, o recorde mundial pertence ao francês Renaud Lavillenie e está estipulado em 6,14 metros. Ou seja, quase o dobro! Certamente que não foi com varas como as dos dias de hoje que Hoyt ultrapassou os 3,30 metros. O infográfico que se segue refere apenas as marcas alcançadas nas várias edições dos Jogos Olímpicos, amostra mais do que suficiente para se perceber a evolução.
Fonte Infográfico: Estadão
A evolução da vara ao longo dos tempos
Tudo começou com as varas de cinza sólida e de carya (hickory), ainda em meados do século XIX. Em ambos os tipos, as varas mal dobravam, o que tornava impossível o estilo swing da modernidade. Só mais tarde, com o aparecimento das varas de bambu, é que se começou a caminhar na direção da técnica atual em vigor. Foi com uma vara de bambu que William Hoyt estabeleceu o primeiro (e obrigatório!) recorde olímpico, ainda que o seu compatriota, Hugh Baxter, já tivesse colocado a marca mundial indoor nos 3,35 metros.
As varas de bambu viriam a prevalecer até meados do século XX. Em 1942, outro norte-americano, Cornelius Warmerdam, fixava o recorde outdoor nos 4,77 metros. Uma marca que só caiu em 1957, quando o seu compatriota, Robert Gutowski, saltou 4,78 metros com uma vara de aço. Ainda assim, Cornelius Warmerdam mantinha o recorde indoor de 4,79 metros, que só viria a cair em 1959. No entanto, as varas à base de ligas metálicas e de alumínio não viriam a ficar muito tempo na disciplina. O impacto nas marcas não foi significativo e a imparável evolução dos materiais aproximava-nos a passos largos das varas em fibra de carbono dos dias de hoje.
Mas antes, uma passagem pelas varas em fibra de vidro, que foram surgindo discretamente, à boleia das varas com ligas metálicas. Embora as varas em fibra de vidro partissem com maior facilidade, o que numa primeira fase deixou os atletas cépticos em relação ao seu potencial, as varas também dobravam sem grandes esforço, favorecendo a técnica do atleta.
As varas em fibra de vidro estiveram, com toda a certeza, nas Olimpíadas de 1956. Todavia, suspeita-se que alguns atletas já as tenham utilizado nos Jogos Olímpicos de 1952. Certo é que o primeiro recorde mundial estabelecido com esta nova vara aconteceu em 1961, quando mais um norte-americano, George Davies, saltou 4,83 metros. Num curto espaço de 2 anos, a fasquia dos 5 metros foi ultrapassada, o que diz muito do impacto desta nova vara que nunca mais parou de evoluir. O passo seguinte, e último até à data, foi a mudança para as varas em fibra de carbono.
Por último, não esquecer a importância da evolução dos materiais em relação ao peso das varas. Se as de bambu pesavam cerca de 10 kg, as varas em fibra de carbono rondam os 2 kg. Menos peso para transportar significa uma maior velocidade na fase de aproximação ao local onde se encontra a fasquia, o que também tem um impacto significativo na energia acumulada para as restantes fases do salto.
Parte deste resumo da história e do impacto que a vara teve na evolução da disciplina pode ser visto no vídeo que se segue.
A evolução da vara no salto com vara (atletismo)
Das varas para as sapatilhas com placa de fibra de carbono
Posto isto, faz-se a pergunta: as Nike Vaporfly NEXT%, e seus modelos familiares, chegaram para marcar a diferença? Ou está instalado uma espécie de “efeito placebo” na cabeça dos seus portadores, aliado ao conforto que o equipamento lhes confere? Não sendo impossível responder “sim” a ambas as questões, tudo aponta a primeira hipótese como mais verdadeira.
Pessoalmente, não vejo isto como um problema ou como doping tecnológico, como já referi anteriormente. Parece-me mais uma evolução natural e, em parte, inevitável. Com a sapatilha disponível para todos os atletas, e com a chegada de modelos semelhantes por parte das outras marcas em breve, o que é verdadeiramente desigual é a comparação das marcas mundiais de hoje com as de outros tempos. Isso sim, é realmente injusto!
Concluindo, se a IAAF não foi a tempo de travar a evolução das varas nesta disciplina, a história não deverá ser diferente com as sapatilhas. Mas para quem vê esta evolução com maus olhos, também há esperança! Há cerca de 10 anos atrás, na natação, uma polémica com fatos de poliuretano teve decisão contrária, com os respetivos equipamentos a serem banidos depois de terem proporcionado uma lista interminável de recordes. Um desporto diferente, mas um problema algo semelhante.
Agradecimento Final: Obrigado ao Joaquim Barbosa e ao Alexandre Santos por me darem a conhecer este momento da história da natação através da página do facebook do Vida de Maratonista 🙂
Foto de Capa do Artigo: SD Dirk
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