No passado dia 21 de Abril, estive presente na 41ª edição da Maratona de Viena…
Maratona de Bilbau 2022: Escolha, Sofrimento, e Aprendizagem
No passado dia 22 de Outubro, pela noitinha, conclui a minha sexta maratona. Não foi a pior em termos de registos cronométricos, mas candidata-se à mais sofrida e à mais frustrante. Falhei com distinção o objectivo, e digerir estas coisas leva sempre o seu tempo. Porém, não encontro em mim os principais motivos para o insucesso, mas em condições sobre as quais tinha pouco controlo. Na noite da prova, fui impotente perante as trevas e as condições meteorológicas. Dois factores de grande peso. Por outro lado, sou sim responsável pela escolha da maratona e por não ter adaptado o corpo a correr a horas tão tardias: contei com a adrenalina (brutal) do momento para sobrepor esta última questão.
Introdução à cidade
Bilbau, ou Bilbao, revelou-se uma região muito volátil. Em toda a linha. Como descreverei ao longo deste texto. No entanto, sem delongas, posso dizer que o vento (não sei se também turista por ali, ou residente) foi quem mais me impressionou. Durante a minha estadia, observei a cidade a ser completamente varrida por ele, durante uns minutos, para, logo a seguir, mostrar-se tranquila. Impulsos estes que chegavam nos momentos mais inesperados. Por vezes, eram rajadas fortes e breves, ao jeito de um treino de séries, com o respectivo intervalo e repouso. Noutras, brisas agradáveis que ocultavam a verdadeira temperatura registada na cidade. Como resultado, avistavam-se muitas folhas em ruelas interiores onde não se vislumbravam árvores. Filhas que tinham largado os ramos das mães e circulavam agora perdidas.
O momento crítico da minha prova
Este elemento (o vento!) exacerbou bastante a minha dificuldade em fazer a ligação entre os quilómetros (mais coisa, menos coisa) 35 e 40 da maratona. Por essa altura, com todo o desgaste (mental e físico) que carregava, além do desalento, o vento empurrava-me para trás em vez de me livrar destes pesos que me abafavam a alma. Em termos de distância, foram 5 quilómetros como quaisquer outros. Em termos psicológicos, foi duro. Muito duro. Virei a minha cabeça de “pernas para o ar”, à procurar de memórias passadas e sonhos futuros a que me agarrar. Fui encontrando, pois não nasci ontem, e é para isso que o caminho se constrói dia-a-dia. Abrandei o passo diante de coisas que já sabia terem significado para mim, e outras, algumas tão simples e prazerozas, que já não me lembrava existirem. A vida é feita de escolhas e, portanto, julgo ser inevitável, desprendemo-nos de pessoas e coisas a um ritmo que não passa despercebido. Não temos tempo para toda a gente, nem para experienciar tudo o que queremos. Mas disso também deve resultar tempo para nós próprios. E nestes 5 quilómetros, não me foi dada outra opção. A cada respiração, era a mim que me sondava – com compaixão, censura, admiração, tristeza, entre outros sentimentos – e ao que fui guardando dentro de mim, desde que cheguei a este mundo.
Sobre a Maratona de Bilbau
A partida da prova deu-se perto da fronteira entre o dia e a noite, junto do Estádio de San Mamés. Com três provas em simultâneo (10K, 21K e 42K), muita gente se viu por aquelas ruas, a correr e a ver, naqueles primeiros quilómetros. Já após a passagem à primeira de duas voltas (exclusiva da maratona), alguém deve ter carregado num interruptor que transformou a cidade quase num deserto. Não só de corredores, como de transeuntes, que, na sua grande maioria, (e era mesmo muita gente que por ali estava na primeira volta) tinha desandado. Segundo os resultados, os 10K contaram com 4500 participações; a meia-maratona teve cerca de 3600; e a distância mítica ficou-se pelas 400. Creio que isto dá uma ideia da perda de atletas com o avançar da noite. Na última volta, do público que restava nos passeios, grande parte era mais oriundo de bares, restaurantes e afins, do que propriamente público da prova, quando houvera tanto, não muito tempo antes. E com o adensar das trevas, eram mais encorajadoras as vozes e as palmas do que as caras e os sorrisos, pois o negrume não concedia muitas ocasiões para se apreciar uma face mais alegre.
Em relação a este temo, quero ainda deixar mais duas notas: uma positiva e outra negativa. O elogio é para o público espanhol, que continua como sempre o conheci (e já são 3 maratonas corridas em Espanha). Ou seja, muito interventivo quando avista os atletas. A corrida tinha algumas avenidas que eram muito largas, e recordo momentos em que eu estava encostado a um lado da estrada e, no oposto, pessoas gritavam e incentivavam-me. Já a crítica vai para alguns elementos da organização que, dada a pouca afluência de atletas com o avançar das horas, “dormitava” nos seus postos de vigia, quando os atletas mais precisavam deles (na ausência de outros atletas no seu raio de visão para seguirem). O percurso tinha muitos retornos e várias bifurcações, pelo que nem sempre era fácil descortinar o sentido a tomar, além de estar escuro. Em algumas situações foi mesmo necessário gesticular ou falar para eles para confirmar o trajecto a seguir.
Por seu lado, o mais constante foi a temperatura?! De certa forma. Os mostradores iluminados de alguns edifícios mostravam oscilações entre os 25º e 27ºC, ao longo de toda a prova. Números consistentes à primeira vista que, como já dei a entender, se escondiam na força e frescura do vento. Salvo o último dia que estive na cidade, estas temperaturas nunca me pareceram reais, quando comparadas com as minhas sensações do corpo para essas mesmas temperaturas, em Portugal. Pelos vistos, eram mesmo verdadeiras.
Sobre a minha prestação
Depois do fracasso em Sevilha, a minha grande preocupação era ser disciplinado em Bilbau. E fui! Para quem tinha na ideia passar com 01h17min (mais coisa, menos coisa) à meia-maratona, a verdade é que estava igualmente decidido a terminar a primeira metade da prova com as pernas soltas. E cumpri com isso. Acabei por passar com 01h19min … e estava solto. Mas não demorou muito a acontecer. A escuridão, a fuga do público, o esvaziamento de atletas, a par das condições meteorológicas, foi uma questão de mais 4 ou 5 quilómetros até começar a sentir-me justo de energias, a forçar demasiado o corpo, a sofrer, a ter de empurrar as pernas. E não foi o famoso homem da marreta que apareceu. Era muito cedo para isso. Possivelmente, uma elevada desidratação, resultante da temperatura, do vento, e de uma prova corrida sempre junto à ria.
Quando comecei a passar mal (e ainda era cedo), desliguei-me do relógio e fui seguindo. Andei alguns quilómetros sem ultrapassar ninguém ou alguém passar por mim. Diziam-me que estava em sexto. Não era o mais importante para mim, mas ainda era alguma coisa a que me podia agarrar. Só que começou a custar mais. E mais. A determinada altura, até disso me desprendi (vi-me forçado). Queria apenas terminar. Queria apenas libertar-me de toda a pressão acumulada ao longo dos últimos meses. Porque quando sentimos que trabalhamos bem, custa muito mais abdicar das coisas. Queria sentir aquele alívio que só o cortar da meta da maratona me poderia trazer. Só isso já me bastava.
Ao mesmo tempo, entendia que terminar a corrida era o mínimo que podia fazer por aqueles que tanto me ajudam e permitem uma maior e melhor decidação ao atletismo. Por tudo isto, fui teimoso, e na altura nem pensei em abdicar. Hoje, talvez não pensasse da mesma maneira. Qeum sabe se não seria capaz de engolir o orgulho e com ele construir um plano B para não deitar por terra todo este investimento. Um passo atrás, para dar dois em frente. Porque, de alguma forma, fica até a sensação que não cheguei a testar realmente a condição física que tinha reservado para estes dias. Numa próxima, logo se vê. O certo é que desta vez ainda preferi (ou melhor, não me ocorreu outra coisa) ser estóico, alavancado pelo receio de enfraquecer mentalmente no futuro, caso tivesse desistido. Está escrita esta maratona. E não pode mais ser alterada.
Em resumo, este livro (curto) que culminou com a etapa em Bilbau, foi até bastante agradável e enriquecedor. Só este último capítulo é que “estragou” toda a experiência (do momento). E todos nós sabemos como um final que nos desagrada enviesa muitas vezes a experiência completa de qualquer aventura, por mais que tudo o resto tenha sido fascinante. Mas adiante. O passo seguinte? É o mesmo de sempre: quando acabamos uma história, queremos começar outra. É esse o caminho e o meu próximo passo. E porque continuo optimista e convicto que nada é eterno, o ciclo mau das maratonas há-de virar. E depois de duas fracassadas, essa probabilidade de mudança é agora maior.
Boas Corridas 🙂
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
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