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Nas Pegadas De Arthur Lydiard - Rumo Aos 160K

Nas pegadas de Arthur Lydiard – Rumo aos 160K

A minha nova época no atletismo já conta com mais de um mês de trabalho. Depois de um artigo onde fiz o rescaldo da temporada anterior, tempo agora para falar um pouco sobre o presente. Nomeadamente, do meu grande objetivo para esta primeira fase de trabalhos: a construção da base de treino mais sólida de todas as temporadas, com recurso à metodologia de Arthur Lydiard.

Há mais de ano que tenho vindo a estudar os métodos de treino de Lydiard, chegando a tê-los empregue numa das minhas temporadas de maior sucesso. Todavia, pela mudança dos objetivos, pela vontade em aprofundar outras metodologias, e até pela ambição de resultados a curto prazo, acabei por a colocar de lado no último ano.

Agora, de volta ao contacto com este senhor neozelandês, esta retoma não será apenas para repetir exatamente aquilo que fiz entre o final de 2017 e o primeiro semestre de 2018. O objetivo passa por esclarecer (na prática e no treino) os seus tópicos susceptíveis de maior discussão, e por ajustar as minhas capacidades aos conceitos teóricos. Afinal de contas, todos somos diferentes e pairamos em diferentes patamares de condição física.

De notar que as minhas caraterísticas e motivações também ajudaram a identificar-me com estes ideais. Mas não só! Um outro factor não deve ser menosprezado. Ao mesmo tempo que construía grandes campeões, Arthur Lydiard era o grande impulsionador do jogging na Nova Zelândia. Como tal, não será errado deduzir que o desenvolvimento dos seus métodos de treino tenham tido em conta as duas realidades distintas para chegar a conclusões mais assertivas sobre o desenvolvimento das nossas capacidades físicas.

Como se não bastasse, de referir  que os atletas que treinou assemelham-se mais aos europeus do que às especificidades e à cultura dos africanos. Ou seja, logo à partida será mais ajustado que um método de alguém que treine atletas africanos, como é o caso de Renato Canova. Ao longo dos tempos, também investiguei e pus em prática alguns dos seus planos bastante exigentes a nível físico e psicológico. Infelizmente, nem sempre com sucesso.

 

160 quilómetros de treino aeróbico ativo

Neste artigo, vou apenas falar na primeira fase de trabalhos do método de Arthur Lydiard. Uma etapa que já não é uma novidade para mim, mas que só desta vez a vou tentar cumprir na sua plenitude. Sem pressão ou data definida para dar o salto para a fase seguinte, a ver vamos como as coisas correm de semana em semana.

Aqueles que desconhecem Arthur Lydiard e os seus métodos devem estar a perguntar-se em que consiste esta etapa? Basicamente, resume-se ao desenvolvimento da nossa condição aeróbica, deixando totalmente de lado o trabalho anaeróbico. Por outras palavras, não deve existir défice de oxigénio nos ritmos aplicados durante os treinos, sob risco de comprometer o treino em prática. Treino esse que visa subir o nosso limite anaeróbico para outro patamar.

Por seu lado, a ausência de alta intensidade dispensa os treinos de recuperação/baixa intensidade. O objetivo é treinar diariamente a um ritmo aeróbico ATIVO (“aeróbico forte” se preferirem), que pode ser distribuído por três níveis:

  • 3/4 do nosso esforço máximo (que pode ser visto como o ritmo próximo ao que corremos a maratona; ligeiramente abaixo do nosso limite anaeróbico).
  • 1/2 do esforço máximo.
  • 1/4 do esforço máximo.

Isto resume-se a valores entre os 70% e os 99% do nosso limite anaeróbico, ou seja, “encostamos” na linha que nos separa da zona de défice de oxigénio. O facto de treinarmos com regularidade perto deste limite é o que nos vai ajudar a expandir o nosso limite aeróbico para termos outro arcaboiço quando começarmos a trabalhar o anaeróbico (treinos intervalados e seus derivados). De facto, ao evoluirmos a nossa condição aeróbica estamos automaticamente a empurrar para cima os níveis anaeróbicos. Arthur Lydiard chegou mesmo a referir que este tipo de trabalho por si só possibilitava uma melhoria dos tempos dos atletas no meio-fundo e fundo. Em provas de 10K eu já senti isto mesmo.

Esta questão do aeróbico ATIVO deve ser trabalhada num mínimo de 8 semanas, desde que o atleta não esteja numa fase de ingresso no atletismo, mas pode durar muito mais tempo. No meu caso, a primeira vez que o pus em prática fiz um trabalho de 11 semanas. Desta vez, fica a incerteza.

Uma coisa é certa. Quanto mais quilómetros se percorrer a ritmo aeróbico ativo durante a 1ª fase de um plano de treino, maior será a margem de evolução nas fases seguintes. Lydiard refere mesmo que a condição atlética alcançada no final desta etapa é quem estabelece os limites da evolução até à conclusão do plano em marcha. Depois disso, só com a repetição deste trabalho.

Finalmente, tempo para os 160K mencionados no nome deste artigo. O número corresponde à distância semanal que Lydiard considerava ideal em ritmo de treino aeróbico ativo. Segundo ele, para lá deste valor (como se fosse curto!), os efeitos deste tipo de treino já não se faziam sentir. Assim sendo, como o título do artigo sugere, este será o meu desafio para as próximas semanas. Tentar chegar aos 160K semanais de treino aeróbico forte, e provavelmente sem treinos bidiários, como explicarei mais à frente.

 

A minha experiência com este tipo de treino

Os 160K são para mim um grande e cativante desafio, pois na altura em que pus este método em prática pela primeira vez não me preocupei com a quilometragem semanal. Entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2018, limitei-me a treinar diariamente nos três níveis de intensidade e a variar o tempo de treino para o meu corpo não ficar confortável. Só por isto, este já era um grande desafio, até porque estava reticente em relação às minhas capacidades em treinar todos os dias num ritmo aeróbico forte. Seria mesmo possível? A resposta não tardou em chegar.

Um “sim” com convicção! Depois de estranhar os primeiros dias, o corpo reage muito bem e a certa altura parece que já não sabe correr de outra forma. A parte cardiovascular fica claramente mais à vontade, que é o que se pretende, pois devemos sempre correr e terminar o treino  com a sensação que podíamos dar mais um bocadinho se fosse necessário. Se estas condições não se verificarem, então ou o corpo precisa de 1 ou 2 dias para respirar e adaptar-se, ou estamos a correr na zona anaeróbica (atenção à falta de ar!).

Como dá para suspeitar, este tipo de treino é  muito bom para aprendermos a ouvir as sensações do nosso corpo.

 

Distribuição de 160K por 7 treinos semanais

160 quilómetros a este nível implica muito tempo de treino, por mais rápido que se corra. Mas para ficarem com uma ideia próxima de como Arthur Lydiard fazia esta distribuição pelos vários dias da semana, eis um exemplo:

  • Dia 1: 1 hora
  • Dia 2: 1h30min
  • Dia 3: 1 hora
  • Dia 4: 2 horas
  • Dia 5: 1 hora
  • Dia 6: 2h a 3 horas
  • Dia 7: 1h30min

Esta é apenas UMA das muitas possibilidades de se chegar ao objetivo pretendido, e que com base nos ritmos de cada atleta pode ser ou não suficiente para se atingir os 160K. Mas as semanas não têm que ser todas iguais e a dificuldade dos percursos deve variar. Em relação aos três níveis de intensidade, o mais lento deve encaixar nas distâncias maiores e o mais rápido nas mais curtas. No meu caso, distribui da seguinte forma (no caso de correr em plano!):

  • 3/4 do esforço: 3:37/KM – 3:47/KM
  • 1/2 do esforço: 3:47/KM – 3:56/KM
  • 1/4 do esforço: 3:56/KM – 4:06/KM

Muito próximos uns dos outros? Talvez sim, talvez não. É mais um parâmetro em estudo.

Agora, lembram-se do princípio que falei em cima de não treinar o mesmo tempo todos os dias? Aqui está bem evidente. E reforço! Os 160K são a plenitude do projeto Lydiard. Os resultados aparecem em quilometragens menores, a diferença está apenas no potencial com que se chega à fase seguinte. Eu ambiciono os 160K, mas ao longo das semanas e do incrementar dos quilómetros é o meu corpo que me vai dizer qual a distância ideal para esta altura.

 

Os riscos de um treino aeróbico forte prolongado

Tanto tempo na estrada significa também mais impactos nas articulações e maior risco dos músculos que mais trabalham ficarem condicionados e originarem lesões. Embora algumas destas situações desapareçam após a fase de adaptação a este tipo de treino diário, devemos ficar atentos às restantes e saber ajustar a nossa condição física, muscular e esquelética às exigências desta etapa. Rogo muitas vezes pragas aos meus músculos das pernas por acreditar que tenho ali massa muscular que não preciso para o atletismo e só está a fazer peso. No entanto, quando entro neste campo reconheço que se fosse um “pau de virar tripas” talvez não fosse capaz de suportar este tipo de trabalho. Fica esta nota que considero bem importante.

Como já dei a entender, em 2017-2018 não cheguei aos 160K semanais de treino aeróbico forte. Tive apenas uma semana na casa dos 155K, mas este valor corresponde ao somatório do treino aeróbico forte com treinos de jogging matinais (foram 3!) para ativar o sistema e assim acelerar o processo de recuperação. Note-se que encarei estes treinos como complementos e não como uma obrigatoriedade. Aliás, por esta altura nem os tenho em mente, por mais que eles possam ser úteis. Se pretendo estender a quilometragem total a um valor que o corpo desconhece, não me parece sensato colocar estes extras enquanto não me sentir preparado para isso.

 

Duas abordagens possíveis ao número objetivo

Resumindo, os 160K mencionados correspondem a ritmo aeróbico forte e são distribuídos por 7 treinos. Mas independentemente do número objetivo ser este ou um mais pequeno, existem sempre duas estratégias possíveis:

  1. Chegar ao valor objetivo através do somatório dos treinos lentos e aeróbicos ativos da semana e, com o avançar do plano, tentar transformar todos esses quilómetros em aeróbicos ativos.
  2. Começar por uma quilometragem mais baixa, limitar-me aos treinos dos três níveis aeróbicos fortes estipulados, e a partir daí aumentar a duração dos treinos até chegar ao número pretendido.

Atualmente, estou a pôr em prática a segunda opção.

Com vista a preparar as fibras para a 2ª fase deste plano, alguns treinos devem ser feitos em circuitos de sobe e desce. Nos dias que correm, isto é mais uma obrigação do que uma escolha para mim. Todas as semanas treino nos vários tipos de percursos e faço os ajustes necessários aos ritmos. Porém, há cerca de 2 anos atrás, executei esta fase quase sempre em plano. Um fator que também deve ser tido em conta para chegar ao número desejado.

 

Dúvidas que permanecem

O desafio que esta fase acarreta é muito mais do que um número. Apesar do contacto prévio e de saber que é possível extrair resultados com esta abordagem, várias questões residem atualmente na minha cabeça. Algumas por divergências nas traduções das palavras de Arthur Lydiard, enquanto outras dizem respeito ao ajuste do método à minha pessoa para sentir de facto a evolução.

Sobre o método, embora me esteja a dar bem com treino aeróbico ativo diariamente, tenho a sensação de me faltar o “dia da consolidação”. Quero dizer, inserir um dia mais lento em determinadas semanas, ou até 2 ou 3 dias seguidos a cada mês para dar margem ao corpo para respirar, recuperar e adaptar-se aos estímulos provocados. Penso nisto sobretudo pelos treinos que rondam o limite anaeróbico. Com o avançar das semanas, este limite tem que ir subindo. Se por esta altura projeto um intervalo entre os 3:37/KM e os 3:/47/KM, é suposto daqui a umas semanas este intervalo ser mais rápido. Mas se tiver desgaste acumulado de muitos dias, não terei essa percepção, pelo que estes momentos de recuperação podem ser uma peça-chave.

Para além disto, nunca podem ser descartadas as outras situações que exigem cuidados diários e que se podem manifestar a qualquer altura. É o caso das lesões e da fraqueza do corpo, seja por resultado de um défice de descanso, de uma alimentação insuficiente, de condições climatéricas muito agressivas, ou do excesso de treino. Ter controlo nestes parâmetros é sempre muito complicado e requer vigilância constante.

Por todas estas razões, aliadas ao facto dos quilómetros aumentarem de semana para semana, torna-se imprescindível solidificar as várias etapas que vão sendo alcançadas. De momento, estou a cruzar a barreira dos 100K de ritmo aeróbico forte. Veremos como me comporto nas próximas semanas. Até breve 🙂

 

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

Este artigo tem 2 comentários

  1. Que prova escolheste para definir o limite anaerobio (distância e tempo) e quais as percentagens deste limite dás a cada um dos tipos de esforço?

    1. Olá Luís 🙂
      eu fiz uma estimativa com base em 2 fatores.
      O primeiro foi saber que o treino a 3/4 do esforço (85% do Vo2Max) é um ritmo ligeiramente abaixo do que conseguimos correr a maratona, pelo que peguei no meu melhor registo nesta distância e, também acreditando que agora valho mais um bocadinho, retirei-lhe uns segundos, apontando assim os 85% para os 3:37/KM.
      O segundo foi saber que conseguimos suster o nosso Vo2Max durante cerca de 8 a 10 minutos, isso leva-nos para distâncias entre os 3K e as 2 Milhas. Como não tenho referências nestas distâncias, usei a tabela do Jack Daniels para as encontrar (como respondi em comentário ao segundo artigo desta rubrica, nunca usei nem segui os métodos deste senhor, mas neste caso usei a sua tabela para ter uma referência). O valor aqui tabelado corresponde a 100% do esforço (3:09/km foi o valor que tabelei).
      A partir daqui, utilizei uma fórmula (de Renato Canova) que já utilizava antes para calcular as %s mais lentas a partir de um ritmo mais rápido:
      RITMOMAISRÁPIDO / 100 * PERCENTAGEM_MAISLENTO + RITMOMAISRÁPIDO = RITMO PRETENDIDO
      Ou seja, se tenho 3:09/KM tabelado para 100% e quero calcular os tais 85%, faço o seguinte (converti os ritmos para segundos):

      189/100*15+189=217,35 (aprox. 2:37/km), o que bate certo com os 85% que apontei, mas se não batesse, era uma questão de ajustar o mais rápido (100%), pois o ritmo ligeiramente abaixo da maratona (85%) é o mais fiável e real que tenho à minha disposição.

      A partir do momento em que estes dois se conjugam, utilizei a mesma fórmula para calcular as restantes percentagens que precisava e assim criar intervalos para os treinos. Isto é:

      3/4 do esforço: (85% – 80%)
      1/2 do esforço: (80% – 75%)
      1/4 do esforço: (75% – 70%)

      Nota que isto são ritmos para o percurso e condições ideais. Também não sei se estes intervalos de %s são os ideias para cada nível de esforço, mas para já tenho me dado bem com eles.

      Depois veio a parte mais importante., por isto em prática e ver a resposta do corpo. Uma semana pode ser curto, mas a partir da 2ª já começamos a ver se estipulamos os ritmos certos ou não. Em muitos treinos as pernas pesam devido à carga, mas se a caixa vai bem é porque não estamos a debitar oxigénio.

      Espero ter conseguido ser esclarecedor e ter ajudado 🙂

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