Se é sabido que não se deve julgar um livro pela sua capa, o mesmo…
O que eu andei a fazer com o Atletismo em 2023 – 1º Semestre
Em janeiro deste ano, quando, inesperadamente, melhorei a minha marca pessoal na Meia Maratona de Viana do Castelo, fazia a mim mesmo a pergunta: “de onde é que isto vem? Para onde é que isto vai?”, pelos motivos que na altura apresentei. De regresso a casa, intrigado e com uma injecção extra de motivação por força desse resultado, tentei dedicar-me mais ao treino nos meses seguintes. Contudo, essa força positiva foi, em parte, anulada com o prolongamento do Inverno (já tinha recuperado de Bilbau, logo, esse já não era um argumento válido). Mantive os treinos de 30K mensais, mas continuei a oscilar demasiado para alguém que queria voltar à sua melhor forma.
As coisas começaram a mudar em meados de Março. O Inverno reduziu as investidas, e o G. P. Atletismo de Estarreja teve o efeito (semelhante ao da S. Silvestre de Pinhel) que eu desejava. Até geri bem a prova, mas, mais uma vez, ao estar ali, não pude virar a cara à realidade: faltava-me “andamento”. Isso e o facto do meu excel de treino mostrar cerca de 233 quilómetros de trabalho nessas últimas 3 semanas. Não sei o que vocês pensam disso. Aos meus olhos, isso é muito pouco, tendo em conta as minhas aspirações.
A diferença para o final de 2022 foi que, desta vez, as coisas realmente mudaram. Sem a desculpa meteorológica, e ao ser capaz de fazer uma melhor gestão dos meus compromissos diários (para não haver mais faltas justificadas na caderneta do atletismo), tornei-me mais cumpridor. Ainda no último domingo desse mês, o registo em Vig-Bay não foi nada de extraordinário, mas fiquei feliz pelo último terço de prova, feito em força. Ganhei balanço, foquei-me no “sentimento de dever cumprido” ao final da semana – pois só viria a competir novamente em finais de Abril – e desde aí que o volume de treino ficou mais ajustado às minhas aspirações: nas últimas 14 semanas, apenas 4 foram abaixo dos 100K, por curta margem. Todavia, é igualmente relevante dizer que raramente abusei deste número, sob risco de rebentar comigo. O meu corpo adaptou-se a este intervalo de valores e não fiz pretensões de “esticar a corda”. Daqui em diante, tentarei dar mais um passo e logo veremos no que isto dá. Em relação ao que já lá vai, creio que é acertado dizer que este foi o meu pilar mais importante para conseguir melhorar as minhas marcas pessoais (ou pelo menos as médias de ritmo, em casos de dúvida na medição de distâncias), aos 10K, 15K e meia-maratona, desde o virar do ano.
Ainda sobre o volume de treino, uma nota que não deve passar despercebida é a seguinte: o incremento semanal aconteceu, regra geral, sem mexer no tempo de treino dedicado aos níveis de intensidade mais elevados. Já o outro apontamento digno de relevo diz respeito ao regresso (consolidado) dos bidiários. Estes começaram a desaparecer dos meus planos de trabalho em finais de 2019. Só os tentei retomar na segunda metade de 2022, naquela que foi uma investida muito fraca. Com esforço, no último trimestre, tornaram-se parte da minha rotina, em 3/4 dias da semana. Por agora, são corridas tranquilas de 25/30 minutos. Entraram no plano com o intuito de: eu me ver a “aparecer” mais ao treino; contribuir para a quilometragem semanal; acelerar a recuperação (activa) dos treinos mais exigentes. Só que isto não revela, a meu ver, a parte mais interessante (e dolorosa) da história.
Após o meu ingresso no atletismo, os treinos bidiários não tiveram de esperar muito tempo até fazerem parte do meu plano semanal de trabalho. Foi um acréscimo irreverente, alicerçado na motivação pela modalidade e nos resultados alcançados. No entanto, assim como a minha estreia na maratona, agora olho para trás e parece-me que os bidiários entraram demasiado cedo. Ou melhor: eu estiquei a intensidade e o volume durante demasiado tempo, numa fase tão prematura da minha passagem pela modalidade. Mais do que o recomendável. O resultado dessa ousadia inconsciente foi a substituição, em diversos momentos da temporada, do cansaço natural pela moleza. Fui insistindo enquanto a motivação e a teimosia se sobrepuseram a esses sintomas (ainda ligeiros). Só mais tarde, menos radiante com os resultados, é que os comecei a retirar dos planos de trabalho. Mas a experiência valeu a pena. Este ano, o regresso (e o posterior incremento) dos bidiários foi feito com outro tipo de vigilância. A experiência passada tornou-me capaz de diferenciar os sintomas e as sensações. Nos últimos meses, foi o cansaço natural que sempre me acompanhou (a minha alimentação também melhorou desde então).
Mudando de assunto, quando em cima disse que procurei fazer do “sentimento de dever cumprido” o meu combustível semanal, tentando alhear-me de tudo o resto, não o afirmei com leviandade. É verdade que com a melhoria das marcas pessoais, as coisas começam a mudar e torna-se mais difícil não pensar nelas. Porém, de abril até agora, tentei inclusive sacudir a pressão dos recordes e das provas, pois sentia que isso não estava a funcionar. Aliás, é provável que esta ideia tenha sido plantada a partir de Viana do Castelo, onde não ia à procura do RP, mas ele aconteceu. Basicamente, comecei a pensar mais numa de: “deixa os recordes aparecerem quando lhes der na telha”. A única excepção foi mesmo a Corrida de S. Pedro, na Póvoa de Varzim. Dado o meu bom momento, e conhecendo bem a prova, não fui capaz de empurrar esse objectivo para o meu subconsciente. Andou ali a semana toda, a pairar.
Voltando um pouco atrás, com vista a reforçar esse foco no trabalho e não em objectivos competitivos, mudei a metodologia do treino. Isto é, abdiquei de um plano de treino com uma periodização linear para uma não-linear. Dito de outra forma, comecei a trabalhar tudo com o mínimo de regularidade: fartleks; repetições curtas e longas, com descanso longo ou curto; tempo runs ao ritmo da maratona, meia-maratona, a ritmos lineares ou em progressão; velocidade; treinos longos; Estes dos últimos merecem nota de destaque: o primeiro, porque foi um tipo de trabalho que nunca fiz com consistência, tendo ficado sempre para segundo plano, com excepção de uma altura em que o abordei neste espaço (quem sabe não volte a falar sobre o assunto mais à frente, agora que já tenho mais “conteúdo”); o segundo, porque o texto sobre os 30K que escrevi em finais de 2022, de alguma forma serviu como compromisso. De janeiro a junho, fiz sempre um treino de 30K por mês, o que tem pelo menos os benefícios que abordei nessa altura.
Seja como for, não tenho como medir os resultados obtidos por esta periodização não-linear. Contudo, esta mudança reflecte-se tanto ao nível de treino como ao nível competitivo. Neste último caso, não tenho dúvidas que teve um impacto positivo. E posso dar o exemplo do ano passado onde, por esta altura, estava a competir durante 4 semanas seguidas. Este ano ainda não fiz mais de 2 provas em 2 fins de semana consecutivos (e nunca 2 provas num só fim de semana). O máximo que fiz foi 3 provas num mês, e creio que esta decisão (difícil, de ter de abdicar da participação em eventos quando se sentem melhorias) foi a segunda mais impactante no meu plano, depois do tópico do volume de treino. Por (pelo menos) dois motivos, nela descobri vantagens.
Primeiro, porque não há garantia de chegar à fase competitiva da periodização linear no estado de forma desejado (e isto pode ser a nível físico e/ou mental), como pode haver o azar de se chegar ao pico de forma numa altura de muito calor, de tempestades, ou outro tipo de coisas externas ao nosso controlo que comprometam os RPs. Caso isso se verifique, ou se as primeiras duas provas não forem de encontro às expectativas, depois fica complicado tentar inverter o rumo dos acontecimentos nas seguintes. Em segundo lugar, porque ou se tem a frieza para, entre os fins-de-semana de competição, não se andar a fazer treinos intensos (o que não é fácil, pois fica a sensação que se treina pouco), ou então há uma grande probabilidade da recuperação ficar aquém do recomendado. Esta é a minha experiência, após alguns anos de práctica de atletismo.
Antes de terminar, quero circundar mais um pouco este tema da competição. Nesta primeira metade do ano, além de não ter feito tantas provas seguidas, também tentei não abusar no número de presenças em eventos cujo intuito era dar o meu melhor. Em cerca de 27/28 semanas decorridas de 2023, participei em 12 competições, sendo que algumas foram precisamente de encontro à periodização não-linear pela qual optei: se estava a “picar o ponto” em todos os tipos de treino, também era imperativo não estar muito tempo afastado do ritmo competitivo (que não pode ser adquirido nos treinos). Esta redução de provas permitiu ainda reforçar a minha concentração e capacidade de trabalho durante a semana. Porque o desgaste físico e mental das provas é de outro campeonato. Se não acontece convosco, acontece comigo. Por exemplo, quando a prova é de manhã (e antes isso que correr à noite), o desgaste que sinto ao início da tarde (e que se arrasta por aí adiante) não é comparável com o dos treinos intensos feitos durante a semana, no mesmo horário das competições. Há claramente um desgaste excessivo que, naturalmente, precisa de mais tempo para ser mitigado e, em paralelo, para permitir ao corpo absorver esses estímulos que, em treino, na maioria das vezes, não se consegue desenvolver. A fechar o tópico, quero partilhar mais isto: as provas são uma tentação (então hoje em dia, que não faltam …), mas para evoluirmos é preciso treino. Treino consecutivo. Andar sempre em competição obriga a abrandar nos dias que antecedem a disputa e a recuperar nos seguintes à prova, o que corresponde, a cada prova feita, a quase uma semana de trabalho “perdida”, seja num regime de periodização linear ou não-linear. E não falo apenas em termos físicos. Os juros a pagar para pisar terreno competitivo, com o acumular de provas, começa a subir em flecha.
Chegado a este ponto da minha época, que só irá terminar dentro de 3 meses, mas que após 2 semanas de competição, vai ter agora pela frente mais semanas de treino consecutivas, é isto que se evidencia daquilo que foi o meu 2023, no atletismo, até à data. E já que estou a falar na extensão da época, reforço a ideia da frescura mental, e física, necessárias para prosseguir o trabalho. Não sou capaz de avaliar a minha condição a 100%, mas não me vejo desesperado por “férias desportivas”. Aparentemente, estou com a capacidade do passado recente para prosseguir o trabalho, sendo que agora vou ter que ajustar outra vez o volume / intensidade de treino, o que comporta riscos. A ver vamos o que acontece nos próximos capítulos. Estes foram bons!
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
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