No passado dia 21 de Abril, estive presente na 41ª edição da Maratona de Viena…
Treinar ou descansar após a Maratona?
No próximo domingo realiza-se mais uma edição da Maratona de Sevilha. Um evento que todos os anos conta com a presença de muitos portugueses. A fechar o circuito de inverno, não será errado dizer que esta prova dá o mote para as maratonas europeias da primavera, nas quais Portugal também se faz representar. Barcelona, Madrid, Roma, Paris e Londres serão os maiores exemplos.
De volta a Sevilha, por esta altura já pouco se pode fazer com vista a melhorar o desempenho para a prova de domingo. Deve-se sim seguir as recomendações tradicionais para não se sabotar o trabalho dos últimos meses. Ou seja, manter os cuidados com a alimentação, aliviar os treinos e repousar.
Por outro lado, este será o momento certo para se planear as horas e os dias que sucedem à maratona. O que fazer após sujeitar o corpo a um esforço tão heróico? Devemos esquecer os treinos e repousar por completo? Aliviar a carga de treino? Continuar com o plano normal?
Com três maratonas em três anos, este artigo serve para partilhar a minha experiência e presente opinião sobre este tema. Desta vez, a parte clínica e científica ficam de fora.
Repouso total após a Maratona
Hibernar no sofá entre 2 a 4 semanas parece-me excessivo. Tanto no sentido físico como psicológico. Uma escolha que nunca optei por fazer.
Mas segundo consta (em alguns websites), os africanos adotam muitas vezes esta estratégia. Isto é relativo, pois devemos também olhar a outros fatores. Para já, não me acredito que façam isto na totalidade. Vários atletas de topo deste continente têm participado em maratonas com pouco tempo de intervalo entre elas. Ora este tipo de escolhas não lhes dá margem para tal descanso.
Por outro lado, para além do treino, por norma os atletas africanos têm uma vida profissional mais ativa do que a nossa. Sim, porque muitos deles trabalham no campo e afins. São atletas de elite e podem até não trabalhar muitas horas. Contudo, este tipo de tarefas físicas, não sendo em excesso, permite ao corpo manter-se ativo e acelerar a recuperação (ativa).
Por cá, os trabalhos têm tendência a ser cada vez mais sedentários. Estar um mês sem qualquer tipo de atividade física, numa fase em que costumamos “abrir a torneira” na alimentação (depois de tanto tempo a fazer sacrifícios também neste campo) é sabotar totalmente o trabalho dos meses anteriores para os eventos futuros, sem necessidade alguma.
Comecei por fazer uma comparação das minhas escolhas com os atletas de elite africanos devido à maneira como dominam o meio-fundo e fundo, nos idas que correm. É a tendência natural. Comparar os nossos hábitos e escolhas com aquelas que os Campeões fazem nas mesmas situações.
Treino ativo depois da Maratona
A escolha que fiz após concluir as minhas primeiras duas maratonas. Porto 2015 e Amesterdão 2016. Um a dois dias depois da prova já estava no ativo. Sem treinos exigentes. Sem bidiários. Sem presenças em provas no mês seguinte à maratona. Mas no ativo! Isto é, com treinos entre 40 a 50 minutos a ritmo confortável. Resultados?
No regresso à competição após a Maratona do Porto, logo bati o meu recorde pessoal aos 10K. Ainda sem qualquer treino exigente nas pernas. Eu mesmo fiquei surpreso. Mas aconteceu. Desta forma, não tinha razão para não repetir a receita um ano mais tarde.
No entanto, após a Maratona de Amesterdão, a história foi completamente diferente. Na verdade, em termos de evolução de resultados, a época desportiva seguinte foi praticamente nula. Uns segundos a menos numa ou duas provas de 10K, mas longe das expectativas que tinha criado após a viagem à Holanda.
Pergunta. Como é possível resultados tão diferentes, em dois anos consecutivos, ao seguir a mesma linha de trabalho, ? A conclusão a que cheguei foi a seguinte. Aventurei-me na maratona (Porto 2015) pouco tempo depois de entrar no mundo do atletismo. Nesses primeiros tempos, a evolução costuma ser mais significativa. Basta assumirmos um compromisso sério com o treino. Acredito que ainda estava dentro desse espaço temporal.
Treino ativo parcial após a Maratona
A estratégia que adotei após a Maratona de Valência do último ano. Ou melhor, quase que fui forçado a isso. A mudar a abordagem. A preparação para esta prova foi uma repetição dos meses anteriores. Quero dizer, sem melhores resultados (nas mesmas provas) que no ano anterior. A junção deste ponto com a carga mais pesada da preparação para uma maratona fez-me sentir mais desgastado que o normal. Especialmente a nível psicológico. Mesmo depois de concluir a prova com sucesso, mantive a minha decisão. Precisava de frescura. Precisava de uma abordagem diferente.
Assim, optei por treinar e descansar à minha vontade nas duas semanas seguintes. Folguei vários dias. Corri a ritmos confortáveis e forcei um pouco quando me deu vontade disso. Mantive apenas duas linhas. Treinos curtos. Não competir no mês seguinte à maratona. Sem dúvida que senti uma frescura física e mental quando regressei aos treinos assíduos que não senti em anos anteriores.
Os resultados finais? Esses só poderei apurar por meados de outubro deste ano, em conjunto com a nova abordagem ao treino que tenho vindo a fazer. Mas seja como for, os registos das primeiras competições pós Valência já se fizeram sentir de forma muito positiva. Inclusive, pela primeira vez, um registo aos 10K com média abaixo dos 3:25min/km.
Não repousar depois da Maratona
Nunca digo nunca! Mas esta é uma escolha que não me vejo a fazer. A maratona é uma prova que mete muito respeito. Por este motivo, e porque sou muito competitivo, encaro a sua preparação com a máxima seriedade. Desta forma, após a sua conclusão, também é grande a necessidade de descansar. Quer nos treinos, quer nos outros rigores de uma vida desportiva ativa e dedicada. Para voltar com força! Com entusiasmo!
Ainda que possa ter resultados muito bons numa ou outra prova que possa fazer logo após, acredito piamente que vou pagar a fatura dessa escolha nos meses seguintes, durante muito tempo. Acredito que os benefícios de toda a preparação para uma maratona que possam ser perdidos neste tempo de repouso, por outro lado, me permitam ganhar algo na minha saúde. Que, ao manter-me em competição, mesmo não perdendo os ganhos do treino que fiz para a maratona no imediato, isso aconteça numa quebra de rendimento altamente provável nos tempos seguintes. Uma quebra aliada à desmotivação.
Neste ponto, não só não tenho experiência como não vejo por aí grandes casos profissionais. Ao puxar pela memória, o único que me ocorre é o japonês Yuki Kawauchi. Atleta que muito admiro. Com participação numa dúzia de maratonas por ano, poderá ser um seguidor desta prática. Ou isso, ou cada maratona em que participa tem um grau de importância e de gestão diferente da sua parte.
Escolhas para lá do treino pós-maratona
Independentemente do tipo de abordagem desportiva que façamos no pós-maratona, esta não será a única a influenciar a nossa recuperação e rendimento desportivo nos meses seguintes. Para além dos aspetos acima mencionados, tudo o resto que se passa na nossa vida tem que ser tido em conta.
Nomeadamente, a nossa estabilidade emocional no seio familiar e no trabalho. O stress. O repouso. O número de horas e a qualidade do nosso sono. A alimentação. Nesta última, falei mais acima do hábito de no pós-prova comermos o que não podemos ingerir nas semanas antes. Pessoalmente, abro uma ou duas exceções, mas também gosto de dar uns dias até abusar na comida menos saudável e mais tentadora. As nossas defesas por esta altura estão mesmo em baixo. Comer mal nos primeiros dias não ajuda o corpo a recuperar.
Um passo atrás, para dar dois em frente!
Não posso terminar a partilha destas experiências sem reforçar dois pontos.
O primeiro é tentar não ficar preocupado com a perda de alguns ganhos adquiridos com o treino da maratona e que se perdem com alguns dias de repouso. É mais importante recuperar a frescura física e mental por esta altura. Além do mais, não vai custar assim tanto recuperar esses ganhos. Memória muscular, lembram-se?
O segundo tem a ver com a seriedade e o compromisso de toda a preparação para o grande dia. Quanto melhor a preparação, mais rápida e mais fácil será também a recuperação. Umas caminhadas nos dias seguintes ajudam à recuperação ativa sem levar o corpo a grandes esforços. As dores que sentimos desaparecem mais depressa e a recuperação passa a ser apenas um aspeto interno da nossa máquina.
Por fim. Resistam ao entusiasmo da competição depois de uma maratona inesquecível. Em vez disso, aproveitem os dias seguintes para saborear essa conquista pessoal com o melhor do que a vida vos tem para oferecer (para lá do atletismo).
Boas Maratonas!
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