No passado dia 21 de Abril, estive presente na 41ª edição da Maratona de Viena…
Viver a Maratona de Londres do lado de fora
Primeiro fim de semana de outubro 2022. Que aconteceu? Tive o privilégio de estar em Londres a acompanhar uns amigos que foram correr a maratona da cidade. E para quem anda por dentro destas coisas há já algum tempo, e vai falando sobre as maratonas na Europa e por esse mundo fora, sabe mais ou menos o que esperar de cada uma delas. No caso da maratona de Londres, 42K tão badalados, a expectativa de qualquer atleta em relação à prova tem (ou deve ser) bastante elevada, tendo em conta que faz parte das major big six. Quanto a mim, no papel de espectador, tive oportunidade de observar coisas que não teria enquanto atleta, em simultâneo com a minha própria aventura por terras de Sua Majestade. Este artigo visa partilhar um pouco dessas percepções adquiridas, que podem ser úteis aos interessados em participar neste evento, no futuro. Se não for o caso, que o texto vos possa pelo menos entreter.
A exposição da Maratona de Londres
O primeiro apontamento vai para a expo da prova. Tendo em conta a necessidade de acolher 40 000 atletas (e seus acompanhantes), a exposição tem a duração de 4 dias (o último corresponde à véspera da prova). E não sei se por controlo do desperdício, se por questões de optimização logística, ou até se por ambos os motivos, segundo me foi dado a entender, os números dos dorsais dos participantes, pelo menos nos casos que acompanhei, foram atribuídos e impressos na hora do seu levantamento, juntamente com os respectivos chips. Ou seja, não vi pesquisas em caixas segmentadas por intervalos de números e apetrechadas de dorsais. Simplesmente, era validada a inscrição, atribuído um número, e este ganhava forma no papel, ao qual era colado o chip.
A outra diferença, em relação ao que estou habituado, foi a ausência de uma refeição oferecida aos atletas (seja ao almoço ou ao jantar) neste primeiro local de concentração dos participantes. De alguma forma, creio que isto pode ser justificado pelo facto da exposição se prolongar por vários dias. Para lá disto, tudo muito semelhante a outras por onde já passei: isto é, barracas de merchandising dedicadas a todo o tipo de produtos e eventos, com algumas de diversão e de registo fotográfio pelo meio.
Partida da Maratona de Londres: Greenwich Park
Em relação à maratona e a tudo o que a rodeia, o que mais me impressionou foi a sua organização, que esteve ao nível da dimensão do evento. O parque (Greenwich Park) que acolhe as diferentes partidas é gigante e está delimitado por quatro zonas (com várias secções), diferenciadas por cores. Cada uma tem a sua zona de partida exclusiva, de maneira que os atletas de cada uma das cores só se cruzam no percurso um pouco mais à frente. Naquele vasto espaço verde, há pessoas da organização por todo o lado e tabuletas informativas (bem visíveis) sobre os sítios para os quais os atletas, de acordo com os seus dorsais, se devem dirigir. E não é preciso esperar pelo começo do desafio para os atletas contarem com o apoio de espectadores muito curiosos. Não podendo eu entrar nas zonas reservadas a atletas, ainda assim, podia circular por uma grande área do Greenwich Park onde, pela primeira vez na vida, vi um esquilo! O meu telemóvel é que já não viu. Porque, quando lho ia mostrar, o maroto fugiu.
Adiante. Com os meus companheiros na respectiva zona de partida, era tempo de me fazer ao caminho, pois tinha que me deslocar (fazer o meu treininho) para a linha de meta. E como não queria fazer os 42K do percurso, tentei arrepiar caminho em direcção ao Palácio de Buckingham e interceptar o percurso da maratona mais à frente. Andei um pouco perdido, na direcção errada, mas, com a ajuda de vários trausentes (foi a oportunidade que tive de falar com pessoas de diferentes etnias em Londres; estão por toda a parte, parece um mini-mundo), consegui reorientar-me e, mais à frente, como desejado, reentrar no percurso da maratona. Estava nos arredores da milha 12 (nota: o percurso tem as sinaléticas para os quilómetros e para as milhas), de maneira que não demorei muito a cruzar a simpática Tower Bridge e, enquanto os atletas viravam à direita para ir dar mais umas voltas, eu virava à esquerda, em direcção à meta, saltando rapidamente para o quilómetro 37 do percurso.
O ambiente da Maratona de Londres
Por essa altura, confesso, não estava nada impressionado com o que via. Como muitos de vocês têm conhecimento, já corri a Maratona de Valência, e recordo vivamente os milhares de apoiantes que encontrei nas ruas dessa bela cidade. Mas ali, salvo pontos muito estratégicos ou de monumentos, não via assim tanta gente, na maior parte do percurso. A verdade é que ainda era um pouco cedo, embora as provas de cadeira de rodas já estivessem numa fase bastante adiantada, e a corrida da elite feminina estaria a cruzar a distância da meia-maratona, ou um pouco mais. As restantes também já tinham partido, mas ainda a dar os primeiros passos. Sem dificuldade, eu conseguia falar com pessoas da organização, distribuídas naquela zona do percurso. Inclusive, quando cheguei à recta que antecede os 400 metros finais da prova (a Birdcage Walk, se não me enganei a ver o Google Maps), poderia ter atravessado a estrada para o outro lado (para St. James’s Park), no corredor aberto para o efeito, sem problema algum, se assim o desejasse. Mais à frente, como virei a relatar e a demonstrar, era impossível!
A frente feminina terá passado ali, talvez cerca de 20-25 minutos depois de mim. No entanto, não vi a vencedora passar porque andei a contornar o Palácio de Buckingham e o St. James’s Park, à procura de ficar mais perto da meta. Mas estava tudo vedado. Só mais tarde me apercebi que havia uma zona de acesso “restrito” à recta da meta (ou melhor, à curva para ela), onde a minha mochila tinha de ser revistada primeiro, antes de entrar nessa zona privilegiada. Enquanto isso, passaram as primeiras 7-8 atletas da elite feminina e, sou levado a crer pelo vídeo seguinte, também elas não apanharam assim tanto público. Ou melhor, nada que se compare à multidão que ali estava, cerca de 2 a 3 horas mais tarde.
Como tal, por esta altura, não em termos logísticos, mas de público, eu via as minhas expectativas frustradas. Aqui se nota a diferença do espectador, do atleta, e dos timings em que assistimos às coisas. Porque fiquei perplexo quando os meus companheiros, após a chegada (que também já fizeram provas com milhares de pessoas a apoiar), se mostravam encantados com o público, dizendo que nunca tinham visto tanta gente nas ruas. Conclusão: as estradas foram enchendo, à medida que o dia avançou. Quando eu corri e caminhei pelos últimos 5 quilómetros de percurso, a adesão do público ainda estaria num estado semelhante ao do nascer do Sol. Quando a frente feminina passou, estaria ligeiramente mais alto. E só mais tarde terá atingido o seu pico, em sintonia com a chegada dos grandes grupos de atletas à linha de meta. O que é fácil de entender, tendo em conta que muitos apoiantes só se deslocam até ali nos horários estimados para a chegada dos seus heróis e heroínas.
Ora, foi nessa altura de grande concentração de atletas (e de público) que ficou muito complicado atravessar essa avenida. Contudo, para o meu grupo, alcançar o hostel onde estávamos alojados e desfrutar do merecido descanso dependia desse cruzamento. Também aqui, a organização mostrou experiência no assunto. Perto do final desta Birdcage Walk (e talvez este nome tenha influenciado a solução encontrada), já havia em funcionamento uma espécie de “gaiola”, no centro da avenida. Basicamente, a gaiola abria de um lado da rua, o público desse lado passava para o seu interior e ali fazia um compasso de espera, enquanto os atletas (em massa) se deslocavam pelo corredor posterior; depois, fechava-se esse corredor e abria-se o do lado anterior, a fim de ser possível concluir a travessia. Muito engenhoso. A dita birdcage pode ser vista no vídeo seguinte (2h40min44seg):
Reencontros na meta: Horse Guards Road
Chegado a este ponto, porque não falar dos locais de encontro, para atletas e familiares, após os primeiros cortarem a linha de meta e atravessarem os corredores que lhes são exclusivos? É que, estão a ver, encontrar alguém no meio de milhares de pessoas, não é propriamente fácil. Não estamos a falar de uma prova com 100, 200, ou 1000 atletas. Mas fiquem descansados. Mesmo que não tenham oportunidade de ir ver o local da chegada, nos dias anteriores à prova, a verdade é que há muitos outdoors espalhados, logo após a saída que curva para a direita (Horse Guards Road e Horse Guards Parade) e faz fronteira com o St. James’s Park. Na imagem seguinte, apenas é visível um outdoor (que por acaso foi o que o meu grupo utilizou). Porém, no dia da prova, há um grande número de placards com letras do abecedário, ficando fácil escolher um como ponto de encontro.
A fechar a parte da logística da Maratona de Londres, não pude deixar de reflectir no seguinte assunto: se a partida e a chegada diferem de local, e cada atleta pode optar por deixar os seus pertences junto da organização (como é habitual nas maratonas), a carga de trabalhos que não é, no intervalo de tempo em que a prova decorre, mover milhares de sacos, de um ponto para o outro. Se a partida e a chegada coincidissem, essa necessidade não existia. Todavia, desta forma, essa tarefa terá muito que se lhe diga.
No fundo, tudo isto revela aquilo que a Maratona de Londres se parece ter tornado, com o passar dos anos. Uma máquina muito bem oleada, que provavelmente permite encaixar à organização (e à cidade!) milhares, ou mesmo milhões de euros. Mas tendo em conta a qualidade e exigências do serviço, a remuneração exorbitante parece-me justa. Esta foi a impressão geral com que fiquei de todo o evento que, somando todos os pontos de intervenção, deve ter mais de um milhar de pessoas na organização espalhadas pela cidade, a par de muitas tabuletas informativas, para que adeptos, acompanhantes, e atletas se movimentem facilmente e cheguem aos seus destinos.
O ambiente em redor do Palácio de Buckingham
Voltemos agora um pouco atrás, nesta minha aventura. Quando dei com a entrada para a zona sujeita a revisão de sacos que me permitia ver os atletas passar a 400 metros da meta, já era complicado estar na primeira linha das barreiras, mas não impossível. No entanto, e relembrando que cheguei lá relativamente cedo, também aqui, as filas de público foram aumentando com o passar das horas. E, arrisco dizer: este deve ser o dia do ano em que o Palácio de Buckingham tem mais trausentes em seu redor que, por estranho que lhe possa parecer, viram-lhe as costas, passando mais tempo a olhar para o Victoria Memorial e para quem ali passa a correr em direcção à The Mall. Deve ser-lhe muito estranho …
De regresso às barreiras e à prova, e à imagem do que acontece na avenida que faz a ligação com este ponto, também ali se vão concentrando apoiantes de vários países, que aguardam a chegada dos seus familiares e amigos. E, por via da tecnologia, com recurso à app do evento, conseguem saber os checkpoints da maratona onde os atletas já passaram, e assim perceber se estão perto ou longe da meta. Durante esse tempo de espera, mais minuto, menos minuto, até porque muitos destes diálogos (entre os apoiantes) são audíveis a quem está perto, a conversa acaba por acontecer entre desconhecidos. De onde são, quem estão a apoiar, se também correm maratonas, enfim, uma panóplia de perguntas e respostas típicas deste contexto, intercaladas com comentários divertidos e pausas para se apoiarem os atletas que vão passando. Com o aumentar do fluxo de corredores a passar ali, as conversas reduzem-se e aumentam as palmas, os gritos, e o agitar de bandeiras. Já na estrada, cresce também a diversidade de cores das camisolas, das expressões de sofrimento e alegria, de ritmos, de atletas com cãibras, etc. Por outras palavras, é como se estivéssemos a ver um filme que começa a preto e branco, com um elenco muito reduzido, para, aos poucos e poucos, a longa-metragem (e é mesmo longa!) alargar a sua paleta de tonalidades, transformando-se numa televisão a cores de alta definição, cujo elenco que ali desfila parece não ter fim.
Quanto a mim, acabei rodeado por um grupo de Filipinos que trouxe uma dose extra de animação àquela zona. Entre comentários em inglês e outros na língua deles, a risota era uma constante. Eu ria do que percebia e, quando não percebia, dava-me vontade de rir na mesma, numa espécie de efeito contágio. E como o atleta que eles esperavam ainda estava muito longe da meta, começaram a perguntar nomes de outros atletas que as pessoas à sua volta estavam a apoiar, para poderem gritar pelos seus nomes, quando eles ali passassem. E mesmo quando não eram eles a passar, gritavam pela lista de nomes que lhes tinham dado. O importante era chamar por alguém. Foi bastante divertido, e a melhor maneira de passar o tempo, tendo em conta que as esperas na maratona, dada a distância da prova, podem ser muito longas.
As felicitações após a Maratona de Londres
Por último, porque depois do esforço vem a vaidade e o reconhecimento (merecidos), assisti nas ruas e aeroporto de Londres, nas horas e dia seguinte, àquilo que já tinha conhecimento de acontecer nos E.U.A., mas que ainda não tinha apreciado ao vivo. Isto é, ver os atletas envergarem a t-shirt de finisher da prova e andarem de medalha ao peito. Desta forma, tornam-se fáceis de identificar para, quem tiver vontade e coragem para isso, felicitar o atleta, caso se cruze com ele em algum local. E da felicitação pode nascer uma conversa. Então se for entre atletas, bem, o melhor é nessas horas não terem compromissos urgentes, pois nunca se sabe o tempo que estas interacções podem demorar. Especialmente, se forem precisos tradutores. E, independentemente das palavras que possam ser ditas, as expressões faciais não enganam ninguém. A alegria e felicidade destas pessoas está à vista de todos. Aliás, se assim não fosse, poderiam perfeitamente optar por não envergar a medalha e a t-shirt. Vai da vontade e irreverência de cada um. Na minha perspectiva, acho que é agradável e merecido. Para Londres, é como se alguém salpicasse o retrato da cidade com um pincel (este ano, de cor roxa), espalhando milhares de pontinhos por toda a cidade, durante umas boas horas, e com a tela a emitir o brilho de cada uma dessas medalhas.
Após este longo relato, devo dizer que Londres foi uma experiência muito intensa para mim. Ainda não chegou a minha vez de ali correr a maratona. Contudo, foi desta forma inesperada que tive oportunidade de apreciar os contornos de uma grande maratona de uma perspectiva diferente: do lado de fora. E não sabendo se isto poderá ter algum impacto na minha prestação enquanto atleta, não tenho dúvidas que me enriqueceu enquanto ser humano, pelo que estou grato e feliz por isso. De facto, a vontade de partilhar estas pequenas informações convosco, além de parte da minha aventura nos bastidores da Maratona de Londres, será também um resultado desta experiência.
Boas Corridas!
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
Créditos Foto: Sportograf 2022
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