No passado dia 21 de Abril, estive presente na 41ª edição da Maratona de Viena…

Maratona de Berlim: Nem Esperança, nem Desespero
Nem esperança, nem desespero.
Nesta minha tradução livre das palavras de Isak Dinensen (pseudónimo da escritora dinamarquesa: Karen Blixen) encontrei a serenidade que precisava, na véspera da maratona em Berlim, enquanto as altas temperaturas esfumavam a minha possibilidade de poder alcançar, no dia seguinte, uma nova marca pessoal na distância. Não que isso fosse uma garantia, caso o tempo tivesse estado mais fresco, porém, dadas as sensações nos treinos mais exigentes que fiz na minha preparação para Berlim, tinha a confiança suficiente no corpo para fazer essa tentativa. A nível mental, nem tanto, mas quanto a esse aspecto, já lá irei.
Vamos lá ver. Claro que numa primeira fase, mais emocional, há aquela grande sensação de injustiça, porque se anda muito tempo a preparar uma prova e, chegado o dia D, não se tem oportunidade de fazer o teste. Contudo, neste caso em concreto, ao lembrar-me que cerca de 55 mil atletas estavam com o mesmo “problema”, a sensação que “o mundo estava contra mim” deixou de fazer tanto sentido e o meu ego começou a suavizar perante esse efeito mais comunitário. Não que isso seja suficiente! Quero dizer: é muito complicado, depois de meses a alimentar a expectativa de um recorde pessoal, “mudar o chip” de um dia para o outro e aparecer na linha de partida com a mesma motivação (e igual dose de nervosismo) do que correr para outro tipo de objectivos que não foram responsáveis pela minha presença ali. Mas entre isso e o ser teimoso e arriscar correr para um ritmo que, mais tarde ou mais cedo, me iria rebentar, sabendo já por experiência própria o que isso dói, sobretudo a nível mental!, quer no pós-prova, quer na distância em falta para levar o corpo até à meta, a primeira opção apresentava-se como mais sensata. Acontece que a sensatez dá-se melhor com a paciência do que com a impulsividade ou os resultados rápidos, e eu precisa, ainda antes da partida, de lhe associar bons argumentos.
[Antes de continuar, deixem-me esclarecer uma coisa. Falo aqui no “levar o corpo até à meta”, em caso de estouro, porque a maratona de Berlim é uma prova de elevada reputação, qualidade e simbolismo: afinal de contas, quem não quer, ao quilómetro 42, passar pelas Portas de Brandenburgo? Num outro contexto, pelo menos para mim, para uma recuperação mais rápida da tentativa que fracassou, faria mais sentido não terminar a prova.]Então, nessa minha demanda por “mudar o chip”, e contando já com alguma experiência em maratonas, consegui encontrar 3 argumentos para me abstrair o mais possível daquele que era o objectivo inicial. Em detalhe:
- Lembrei-me da oportunidade que era correr a maratona em Berlim e desfrutar de um ambiente que, embora desconhecesse no caso em concreto, imaginava que fosse semelhante a outras maratonas que corri no passado;
- As condições meteorológicas eram iguais para todos, pelo que mantinha-se a possibilidade de ficar bem classificado entre os atletas portugueses (verificou-se) e, não sendo a mesma coisa, poderia conseguir a minha segunda melhor marca na distância (não aconteceu);
- Terceiro, e mais importante, pois era o mais visual que tinha, em termos competitivos, durante a prova: ter a percepção de estar a progredir na classificação, ganhando posições com regularidade. Isto era sobretudo importante na segunda metade, altura em que estaria em maior sofrimento, pelo que não podia, de forma nenhuma, estourar. (Já em plena prova, acabei por ter uma quebra a partir do quilómetro 34/35, cujo efeito foi paulatino e rapidamente estabilizou até ao final. Talvez porque, apesar de ir mais lento, e embora nessa altura começasse também a ver gente a passar por mim, eu continuava também a alcançar atletas que seguiam mais à frente, levando-me a dizer: “Vês? Não estás assim tão mal!”)
Pois bem, não tendo estes argumentos a mesma força que o original que me levou a Berlim, todos juntos, eles ajudaram-me bastante nos momentos mais complicados. Era realmente importante sair minimamente satisfeito de Berlim, para que, se não para inverter o ciclo, pelo menos evitar “afundar mais o barco”, a nível mental. Porque essas debilidades estavam lá. Num panorama mais particular da maratona, tinha os dilemas com o organismo, que me afectaram nas duas últimas maratonas que completei. Felizmente, desta vez as coisas correram sem incidentes a esse nível, o que me deu mais serenidade durante esta prova, e vai permitir-me chegar à próxima com menos nervosismo. Por outro lado, e numa perspectiva mais generalizada e competitiva, a época desportiva que agora finda foi demasiado discreta para aquilo que eram as minhas aspirações. Sem nenhum resultado individual de excelência ou superação, a minha capacidade mental competitiva foi enfraquecendo, aos poucos, com o passar dos meses. E por melhores que possam ter sido os indicadores nos treinos mais importantes para Berlim, eles não tinham força para dar a volta à situação, ainda que me devolvessem a tranquilidade em alguns momentos. Recuperar força mental competitiva implica ir ao local onde esta se perdeu e dar lá uma boa resposta.
Chegado a este ponto, e ainda dentro do aspecto mental, há aqui um estranho paradoxo entre a motivação e a pressão de estar a correr para uma nova marca. Como disse em cima, dadas as circunstâncias, a motivação não era a mesma, mas foi remediada de forma a conseguir uma boa prestação e a desfrutar da prova. Curiosamente, não sendo a motivação a mesma, a pressão também deixou de ter níveis tão elevados (ou vice-versa). E isto leva-me a falar de dois pontos a nível organizativo que me surpreenderam um pouco em Berlim, pela negativa:
- O primeiro foi o horário de partida: 9 horas e 15 minutos. Não tinha ideia da prova começar tão tarde, nem consultei tal informação na altura da minha inscrição, pois estou habituado a que a partida seja muito mais cedo (por volta das 8 horas, sendo que em Chicago è às 7h30m) e já nem coloco isso em questão. Se mesmo em condições normais de temperatura este horário parece-me tardio, dado o fim de semana muito quente que assolou Berlim este ano, penso que a organização poderia ter forçado uma alteração de horário de partida, pois teve essa informação das altas temperaturas a tempo de a fazer. Contraponto? É bem provável que às 9 horas e 15 minutos já esteja muito mais público na estrada para apoiar os atletas do que às 7h30 ou às 8h da manhã.
- O segundo diz respeito aos blocos de partida, ou, em concreto, ao bloco de partida A, que é aquele de que posso falar. Sendo o bloco que parte junto com a elite, e com esse espaço do recinto reservado para as partidas das provas que arrancam antes da maratona, esse espaço não só abriu demasiado em cima da hora para os atletas do bloco A, como fica a ideia dele ser demasiado pequeno para tantos atletas com dorsal para o bloco A. Isto gerou lentidão e confusão na entrada para o bloco, chegando mesmo alguns atletas (um pouco em desespero porque estava quase na hora da partida e ainda não tinham conseguido entrar) a saltar as barreiras em vez de passar pelas entradas para o efeito. Ora, como o bloco já estava tão apinhado de gente, isto causava ainda mais aperto em quem já lá se encontrava. Soluções? Abrir as entradas de acesso ao bloco mais cedo; Alargar significativamente o espaço do bloco para acomodar toda a gente que tinha um dorsal de acesso ao mesmo, ou reduzir o número de atletas atribuído ao mesmo.
Dito isto, e como parti bem na rectaguarda do bloco A (só passei no pórtico de partida 1 minuto e 12 segundos depois da elite), devo admitir que não me senti muito atrapalhado, com tanta gente à minha volta, para entrar no ritmo de prova que tinha em perspectiva. É verdade que nalguns momentos tive que fazer desvios ou forçar o andamento para não ficar fechado (e consequente quebra de ritmo) demasiado tempo. Contudo, na maioria das situações, tudo se passou de uma forma suave e tranquila: fosse porque a maior parte dos atletas que fui deixando para trás não tinha um ritmo assim tão lento, ao ponto de causar transtorno se ficasse fechado, fosse porque as estradas eram bastante largas; Certamente que partir um pouco mais à frente no bloco seria o ideal para mim. Ainda assim, não foi tão problemático quanto poderia pensar. E voltando ao elo que liga a motivação com a pressão, o facto de saber logo à partida que tinha que gerir com mais cautela todo o esforço, fez com que estas circunstâncias da partida não me azucrinassem tanto a cabeça como poderia acontecer em condições de corrida mais ideais.
Com estas críticas (de intenção construtiva) à organização da prova, não quero com isto generalizar ou dar a ideia de que a prova está mal-organizada ou não justifica a boa reputação que tem. Aliás, entrando em pormenores, a questão do horário de partida, em dias normais, tem mais a ver com o facto de ser uma organização que tem condições para recordes do mundo e que num horário mais antecipado provavelmente colheria melhores frutos nesse sentido (suposição minha: não sou Berlinense nem conheço bem o clima dali). Seja como for, pelo menos nesta edição em concreto, por questões de saúde, esse ajuste faria todo o sentido. Segundo o site oficial da prova, estavam inscritos 55,146 corredores. Até este momento, a página das classificações apresenta um total de 30,871 finishers. Ainda que, devido ao problema nos aeroportos que também marcou o fim de semana, alguns atletas possam não ter chegado a partir (nota positiva para a organização: disponibilizou-se a entregar dorsais no dia da prova devido a este acontecimento), estamos a falar de mais de 20 mil atletas que não começaram (DNS) e/ou não concluíram a prova (DNF), parecendo-me lógico que uma boa parte das desistências esteja relacionada com o tempo quente.
Em resumo, a maratona de Berlim pode ser definida como: uma prova com percurso excelente; onde é fácil encontrar atletas do nosso nível para termos companhia durante a jornada; com estradas cheias de público; e com passagens por locais belos e emblemáticos da cidade; Seja para competir e procurar melhorar a marca pessoal na distância, seja para desfrutar da experiência que é correr uma maratona, esta é uma excelente escolha. E sem mais nada a acrescentar, espero que esta partilha mais detalhada daquilo que passou pela minha cabeça, e do que experienciei na estrada, durante esta aventura, vos possa de alguma forma ser útil no futuro.
Boas corridas!
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.