Se é sabido que não se deve julgar um livro pela sua capa, o mesmo…
Petrus Run – Um desafio ao Medo!
A batalha nas trincheiras do Vale Mágico já ficou para trás. Sem desafios durante cerca de mês e meio, parece que o meu cérebro fez reset e já esqueceu as adversidades de Vale de Cambra. De regresso ao serviço, a lama deu lugar à montanha na estrada. Uma espécie de simulacro para a verdadeira montanha, que deverá surgir em meados de Abril. Por agora, o presente.
A pista do Estádio Dr. Jorge Sampaio transforma-se muitas vezes no meu santuário. Um lugar que exerce um tremendo respeito sobre mim, já que muitas vezes me espreme até ao limite. Infelizmente, isto nem sempre é garantia de fortalecimento psicológico e espiritual. Mas … há que ter fé quando ali se entra.
O recinto vive assolado por dois espíritos: o Medo e a Coragem. Ah, e um cão guarda! Mas esse não é espírito. Vê-se e ouve-se ao longe, e depois de ultrapassado não incomoda mais.
Por seu lado, o Medo e a Coragem assumem posição de espectadores quando dou início às minhas provações, sempre que ali vou. Muitas das vezes, são os únicos adeptos que tenho durante todo o treino. Aqui entre nós, eu dispensava o Medo da plateia. Mas é a Coragem quem por vezes a abandona. Logo ela, uma presença que tanto me agrada. Não por ser uma moça gira – o treino intervalado deixa-me demasiado cego para a ver com olhos de ver – mas porque confere equilíbrio ao meu trabalho.
Ora, como uma criança se sente perdida quando perde a mãe ou o pai de vista, também eu me sinto quando me apercebo que a Coragem já ali não está, acabando o Medo por fazer de mim o que quer. Alturas em que os seus comentários destrutivos passam a ser as únicas palavras que ouço. Frases que perfuram a minha barreira psicológica a cada volta, quando o cronómetro joga em favor dele e não em minha defesa.
Saturado com toda esta situação, decidi-me a fazer algo para pôr fim a esta arrogância do Medo. Sem maldade, mas com astúcia, tinha de lhe tirar o pedestal; fazê-lo vir ao recinto e olhar-mo-nos ao mesmo nível, em vez de cima para baixo como quem olha da bancada para a pista. Ao mesmo tempo, teria de ser uma estratégia para limpar o nevoeiro que impedia a minha mente de ver, à menção do nome desta freguesia, outras coisas da região que não o seu santuário e o seu mais fiel habitante.
Posto isto, o plano entrou em marcha no passado dia 24 de março, com a realização da 5ª edição da Petrus Run. Com partida no parque do Estádio Dr. Jorge Sampaio e meta na pista de tartan, eu mantive a minha rotina habitual de ir até lá e estacionar o carro no sítio do costume.
Porém, já depois do aquecimento, como quem convida um colega de trabalho a “beber um copo” para criar bom ambiente e relaxar a tensão, fui ter com o Medo e, na presença da Coragem, convidei-o a dar uma volta pelo exterior do recinto, com o resto da malta (atletas) que naquele dia se tinha ali concentrado.
Resultou! Incapaz de dar parte fraca, o Medo acedeu em vir comigo, para minha grande satisfação. Era minha intenção testá-lo. Queria ver se, quando estivessem outras pessoas à volta, iria dirigir-se a mim da maneira habitual. Claramente que não! Com tantos atletas nas proximidades, o Medo lá mandava uns bitaites, mas notava-se que o fazia de forma muito mais retraída, sempre atento a qualquer ricochete que as suas balas pudessem fazer na sua direção.
Para mim, isto já era mais do que suficiente para o envergonhar e com esperança que ele ficasse mais amistoso em futuros treinos. Todavia, o meu plano acabou por ir muito além do expectável. Isto porque, a nível territorial, Pedroso é controlado por um grupo de raparigas conhecidas como: as Rampas! Espalhadas por todo o percurso, durante a sua travessia eu deixava completamente de ouvir o Medo (e a Coragem também!), tal era a minha preocupação em sair rapidamente do raio de ação daquelas moças.
Que dizer? O Medo não gostou nada de ser ignorado. Sem intenção, cheguei mesmo a perdê-lo de vista em vários momentos. Só perto do final, com a aproximação à pista para cortar a linha de meta, é que voltei a dar por ele.
Poucos minutos depois, a travessia de 10K estava concluída. Logo após recuperar o fôlego, olhei novamente para ele. Desta vez, estávamos ao mesmo nível. Mal o Medo captou o meu olhar, baixou os olhos, grunhiu qualquer coisa que eu não percebi, e desapareceu-me da vista ainda antes de eu poder dizer alguma coisa. A Coragem seguiu-o, logo após eu olhar para ela com cara de parvo. Não sei se foi imaginação minha ou realidade, mas pareceu-me ter esboçado um sorriso no momento em que me virou a cara.
Já lá vão quase dez dias desde que tudo isto aconteceu. Hoje, pela primeira vez desde a Petrus Run, tinha programado fazer-lhes uma visita. Contudo, quando cheguei ao recinto exterior, percebi que o santuário estaria ocupado por uma outra visita desportiva, de maneira que vim pregar para a minha freguesia.
Porém, nem tudo foi tempo e gasolina desperdiçados. Ao estar do lado de fora, vislumbrei, ao fundo, uma silhueta que já descortinei noutras paragens, mas de presença muito rara no tartan. Será que vi bem? Será que, tal como hoje, costuma estar ali escondida em outras alturas?
Como as coisas são … Hoje, dia para esclarecer as coisas com o Medo e a Coragem, após tudo o que se passou na última Petrus Run, não só permaneci na ignorância em relação a este assunto, como ainda arranjei mais um mistério para me moer a cabeça. Bonito serviço!
Foto Capa do Artigo: António Domingues
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