Não consigo precisar há quanto tempo (deve andar perto de dois anos) passei a consultar…
Petrus Run 2023: Uma prova sem publicidade
Tenho de confessar. Nesta altura da minha vida, estou grato por ter a Petrus Run como vizinha. Neste bloco de apartamentos chamado Vila Nova de Gaia, cuja lei de 2012 forçou tantas famílias a partilharem o mesmo tecto desde então, Pedroso (e agora Seixezelo) será a freguesia (do concelho) mais próxima da minha que é fã de atletismo, ao ponto de organizar uma prova de estrada. Medições geográficas à parte, devo ainda admitir que a minha relação com a Petrus Run não começou da melhor maneira. Na estreia (2016), disse mal da minha vida. Na segunda participação (2019), já nos demos melhor, até porque eu já sabia aquilo com que podia contar. Este ano, no reencontro pós-pandemia, creio que ambos conseguimos desfrutar de uma bela manhã. Aliás, quem nos viu certamente terá ficado com essa impressão, pois as expressões não enganam.
Contudo, apesar desta minha mudança de opinião sobre a Petrus Run, tenho de confessar que a personalidade da Petrus se manteve inalterável. Ou seja, ao longo destes anos, fui eu quem mudou. Ou no meu ser, ou na maneira como passei a encará-la. Escolham a opção que vos aprouver. Porque, se me pedissem, vamos supor, antes da pandemia, para classificar a Petrus, eu diria: “Olha, é das provas de 10K mais duras aqui da zona; é rica em rampas e pobre em recordes pessoais; não tem vista mar, não lhe podes pisar a relva, e começa por nos obrigar a sair de um buraco para depois nos enfiar outra vez lá dentro”. Posto isto, já depois desta minha última participação, se me perguntassem sobre a Petrus, eu seria forçado a repetir estas palavras.
Resultado? Com a Petrus, a publicidade e o enviesamento não são possíveis. Os primeiros 4500 metros são demasiado duros para se poder dizer que existe uma compensação mais à frente que justifique esse esforço (pelo menos na teoria; psicologicamente, é tudo muito mais subjectivo). E também não se pode afirmar que, depois de tanta subida na primeira metade, a segunda é sempre a descer, porque não é isso que acontece.
Em resumo, esqueçam os slogans e os outdoors do género: “corrida mais rápida”; “corrida mais bela”; “corrida mais popular”; e outras publicidades que tais. A Petrus não é nada disso. Mesmo o conceito de “mais dura”, que para alguns pode ser encarado como um elogio, obrigaria a um debate aceso sobre o assunto. A única publicidade possível à Petrus Run é dizer que ela, pura e simplesmente, existe. E embora não pareça, digo isto como um elogio (digo-o sem ponta de ironia; a ironia é escrever este texto a criticar a publicidade e fazê-la ao mesmo tempo). Porque “existir”, neste contexto, é ser algo provido de substância; algo que coabita permanentemente com a realidade. A Petrus é imune à publicidade porque não tem como camuflar a sua natureza. E isso, no meu entendimento, é uma coisa boa. Não se pode dizer sobre a Petrus o que se diz sobre tantas outras provas, objectos ou experiências, cuja publicidade (cada vez mais) é dotada de um sabor intenso a fantasia, sensacionalismo, ou a experiência obrigatória. Um consumo que, mal passa da boca para a garganta, fica ali encalhado durante algum tempo por ter frustrado as expectativas criadas.
De uma outra perspectiva, até para não me tornar excessivamente repetitivo, o que se pode dizer sobre a Petrus, sem soar a falso ou enganar as pessoas, é o mesmo que se pode dizer sobre a vida: é uma prova dura! E, com isto em conhecimento, escolhe-se embarcar, ou não, nesta aventura, respondendo aos momentos de diferente exigência (subidas, descidas, e algum plano) à medida que eles nos vão aparecendo; lutando com os nossos talentos e com o trabalho que desenvolvemos antes do desafio. É que nem sobre a parte final da Petrus se pode dizer nada com segurança. Apesar da corrida terminar na pista de tartan do estádio da freguesia, não há garantias de (num descuido, numa distracção, ou por visão nebulosa resultante da fadiga física que nos pode assombrar por essa altura) colocar um pé em sítio degradado e propício a lesão, pois aquele tartan, desde que nasceu, não parece ter sido alvo de cuidados, contrastando com o relvado que alberga no seu seio e que tem direito a uma atenção regular. É impressionante como duas coisas que estão agarradas uma à outra recebem um tratamento tão díspar, mesmo em conhecimento que a pista tem uso diário e é importante para vários fregueses e transeuntes. Ora, se até nesta passadeira vermelha que conduz os atletas ao pórtico da meta podem surgir percalços, (in?!)felizmente também a vida é assim: cheia de boas e más surpresas, quando menos se espera, pelo que se mantém a analogia que deu origem a este texto.
Goste-se ou não, assim é a Petrus Run. Não é um desafio sobre-humano (longe disso, não vamos extrapolar este texto), mas também não é um passeio com o objectivo singular da foto para as redes sociais. É uma aventura em sintonia com aquilo que é a vida: com os seus quilómetros difíceis e outros mais agradáveis; onde temos companhia em alguns troços e nos vemos sozinhos noutros; e, o mais importante para mim: onde nada passa por ser aquilo que não é na realidade.
Em jeito de despedida, reconheço que a predisposição para este tipo de encontros depende do estilo de cada um e do momento da vida que atravessa. Pessoalmente, e ainda que por diversas vezes continue a virar-lhes as costas ou a forçar-me a eles sem tirar prazer disso, estou a tentar apanhar-lhes o gosto, pois sinto que me deixam mais saciado a longo prazo, satisfeito com a vida, e mais forte para o que me espera ao virar da próxima curva. Obrigado, Petrus, pela companhia.
Boas Corridas!
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
Foto: Américo Valente
Este artigo tem 0 comentários