Se é sabido que não se deve julgar um livro pela sua capa, o mesmo…
Ricardo Dias fala sobre o estado do Atletismo em Portugal – Opinião
Na passada semana, deparei-me com uma entrevista de Ricardo Dias, atleta do Sporting, no site “Corredores Anónimos”. Na dita cuja, o novo Campeão Nacional de Pista dos 10 mil metros falou sobre o estado do Atletismo em Portugal. Um tema que tem sido abordado com frequência por vários atletas do passado e do panorama nacional atual.
Pessoalmente, achei a sua entrevista muito interessante. Por esse motivo, hoje estou aqui a comentá-la, de forma adjacente ao tema: “O Atletismo em Portugal”.
Ricardo Dias começa por apontar o dedo à Federação Portuguesa de Atletismo, enquanto principal responsável pelo decréscimo dos resultados dos atletas portugueses no panorama internacional, nos últimos anos. Do seu ponto de vista, a qualidade dos atletas de outros tempos mantém-se. Pelas palavras do próprio:
Neste momento, a federação desmotiva os atletas e devia ser o contrário. Pergunto: onde os mais jovens vão ganhar motivação para praticar Atletismo? Não é de certeza por dinheiro, já que poucos têm o privilégio de serem remunerados e os que são não ganham para o dia-a-dia. E ainda por cima têm uma carreira curta…
Sobre o que se passa na Federação não posso comentar, pois não estou por dentro do assunto. Embora a falta de apoios seja evidente, mesmo para quem não tem contacto com a entidade.
Todavia, não vejo a federação como única responsável para a crise do atletismo em Portugal. Nem vejo o fator “monetário” como justificação para tudo, ou não havia ninguém no atletismo.
A meu ver, qualquer desporto deve ser praticado com paixão. É fundamental para os atletas se conseguirem superar a cada dia. A partir do momento em que os atletas apresentam trabalho e talento para serem da “elite”, devem ser reunidas condições para que seja a sua profissão, e assim poderem dar continuidade a essa evolução.
Por outras palavras, deve ser encontrado um equilíbrio entre as duas partes. Em momentos de crise interior ou de desmotivação, só a paixão pelo atletismo será capaz de levar o atleta a superar a dificuldade. Porque, para alegria de muitos e tristeza de outros, existem muitas coisas que o dinheiro não consegue comprar.
Nos nossos dias temos também uma sociedade virada para o facilitismo …
Totalmente de acordo com estas palavras. Por essa razão, alio o outro ponto essencial para a evolução dos atletas. A parte competitiva. Ora se o facilitismo impera e os atletas não veem um futuro no atletismo, a escolha entre ficar ou sair do desporto, em situações de maior aperto, não dá muita margem de manobra. Inevitavelmente, serão mais os que saem do que aqueles que ficam.
Resultados desta perda de atletas? A falta de competitividade e, consequentemente, o condicionamento da evolução dos que ficam, por ausência de metas e rivalidades saudáveis, na ânsia de serem melhores que os colegas.
… esta modalidade requer muita dedicação e muito sofrimento diário, durante anos.
Muitos sacrifícios mesmo! Juntemos os treinos bi-diários à vida profissional. Que tempo é que sobra para o atleta e para a sua família? Muito pouco! Estes são fatores igualmente importantes para a sua estabilidade emocional.
Se outros desportos são pagos a peso de ouro, nestas ou noutras circunstâncias menos exigentes, é realmente complicado aceitar discrepâncias tão acentuadas.
Aliás, Ricardo Dias diz isso mais à frente, quando fala na diferença da nossa cultura desportiva para a de outros países.
A diferença para os nossos países vizinhos é a mentalidade desportiva. Somos virados só para o futebol, não temos cultura desportiva. As condições são essencialmente “dinheiro para viver”.
De facto, o futebol “rouba” toda a projeção em Portugal a todos os outros desportos.
Pior a situação se torna quando, nos dias que correm, se fale muito pouco do jogo de futebol em si, comparativamente aos jogos de bastidores e às pessoas que se esquecem que os verdadeiros protagonistas são os atletas e não eles. Por muito que lhes seja difícil de aceitar esta ideia. Tempo de antena tão precioso, que podia ser utilizado pelos media em prol do desporto, da cultura e da sociedade.
Ainda no que diz respeito à questão cultural. Não tenho grandes experiências de viagens. Mas posso trazer à baila (pela enésima vez) a minha participação na Maratona de Valência. Num país também ele aficionado pelo futebol, a aderência do público àquela prova foi abismal. Inesquecível! Marcante! Chocante! Emocionante!
… temos a sorte de Benfica e Sporting estarem a investir no Atletismo, mas é necessário mais porque não isso só não chega. É necessário trazer mais qualidade.
Não chega mesmo! São necessárias mais equipas com atletas que se batam com estes. Equipas com capacidade para também chamarem os melhores atletas para as suas fileiras. Mais uma vez, em prol da competitividade.
Veja-se o exemplo do Campeonato Nacional de Corta Mato Longo, realizado em Monforte, no passado dia 18 de março. Qual a piada e o interesse para o espectador e praticante da modalidade em assistir a uma prova feminina onde, na ausência do Benfica, tem 6 atletas do Sporting a comandar a corrida logo à partida? E uma prova masculina onde, dos 20 primeiros classificados, apenas 2 atletas não pertencem aos dois clubes de Lisboa?
Eu sou militar, mas fui para o Exército para poder ser Atleta.
A dita paixão que falava em cima. Quando o estatuto de atleta profissional não existe (entenda-se: viver do atletismo), temos tendência a procurar condições nos outros aspetos da nossa vida com as quais seja possível conciliar o alto rendimento no atletismo. Escolhas e decisões que variam de pessoa para a pessoa, sempre com um olho no presente e outro no futuro (da vida!).
Se a falta de apoio monetário existe, seria ingrato não referir o outro lado. O peso dos apoios que partem da família, dos patrocinadores individuais e, em vários casos, das empresas em que os atletas trabalham. Termino com um exemplo concreto e bem recente disto mesmo. Nelson Cruz, Campeão Nacional de Corta Mato, em 2016. Estão recordados?
Foto de Capa do Artigo: Miro Cerqueira
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