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Corrida Portucale 2022 - EventSport

A primeira competição com sapatilhas com placa de carbono

Há duas semanas atrás, na Corrida de S. Pedro (Póvoa de Varzim), utilizei as mesmas sapatilhas de competição que na edição de 2019 dessa mesma prova. Visto que o objectivo era melhorar o recorde pessoal na distância, tentei replicar todas as variáveis possíveis, para que no final a diferença cronométrica se devesse exclusivamente a dois factores humanos: a minha capacidade mental e física do momento. Só assim, é meu entender, o recorde pessoal (RP) seria “verdadeiro”.

Essa decisão, posso agora dizer, não foi inocente. Como todos nós sabemos, a tecnologia presente nas sapatilhas mudou bastante nos últimos 2/3 anos e, com o passar do tempo, a variedade de ténis de corrida com a famosa placa de carbono é cada vez maior, bem como a publicidade, ao mesmo tempo que as tecnologias anteriores vão saindo de cena, por duas vias. Pelo mercado em si mesmo. E porque quem ainda tem bons pares destas gerações anteriores, como é o meu caso, assiste à sua degradação inevitável, à medida que lhes dá uso. Consciente disto, e com os preços ligeiramente mais acessíveis nesta época de saldos, acabei por investir nesse salto tecnológico. Ontem, último dia antes de umas merecidas férias desportivas, fiz o primeiro teste de avaliação competitivo.

Chegado a este ponto, e nunca deixando esta análise de ser uma experiência extremamente subjectiva, o mais sensato parece-me fazer esta abordagem de diferentes ângulos. E, se me permitem, vou começar pela parte que salta mais à vista. Na Corrida de S. Pedro, do passado dia 3 de julho, percorri os 10K (que continuo a assumir como certificados), em 33 minutos e 26 segundos. Ontem, na Corrida Portucale 2022, corri os 10K (tenho 9.91K no relógio GPS, pelo que poderão faltar alguns metros) em 32 minutos e 34 segundos. É uma diferença de quase um minuto. Os percursos, em termos de dificuldade, avalio com grau de dificuldade equivalente. Já o grau de competitividade favorece a corrida na Póvoa de Varzim.

Ora, nada do que foi dito no parágrafo anterior vale de muito se não for colocado no devido contexto, pelo que passo a fazê-lo de imediato. Estas provas marcaram, como já disse, o final de um ciclo de treino: a dita fase competitiva. Por outras palavras, visava chegar a esta altura na minha melhor condição física. Honestamente, tenho muitas dúvidas que tal tenha sido o caso. Apesar do RP na Póvoa de Varzim, passei dificuldades inesperadas nas duas provas que a intercalaram. Especialmente na Meia Maratona de Esposende. Sem treinos intensos nesta recta final (apenas competição), a verdade é que nunca senti a frescura desejada e ambicionada. Nem nas provas, nem ao longo da semana, com a inclusão de mais malandrice. Nesse intervalo, a recuperação revelou-se lenta, e nem sempre a tempo, por mais preguiçoso que fosse para com o treino.

Aliás, não fossem as inscrições nas provas, e provavelmente teria fechado a época mais cedo que o programado, por sentir que estava apenas a arrastar uma condição física que, apesar de boa em escassos momentos, não estava rodeada de bons indicadores. E depois de três fins de semana consecutivos em que nunca fiquei totalmente satisfeito, ontem, o expectável era que as coisas não fossem diferentes. Ainda para mais com uma vaga de calor extremo pelo meio. Contudo, mesmo que as condições durante a semana fossem boas, a não ser que o (meu) problema tenha sido algo muito específico e localizado, – inadvertidamente resolvido nos últimos dias (o que tenho sérias dúvidas!) – ando nisto do atletismo há tempo suficiente para saber que o momento de forma não muda de um dia para outro. Todavia, o resultado cronométrico de hoje não pode ser ignorado, pois a diferença é significativa.

Posto isto, resta ver a situação da perspectiva do equipamento propriamente dito. Que dizer? Senti conforto. E o impulso, por mais suave que seja, parece estar lá. Quanto aos gémeos (músculos), parecem usufruir de um menor desgaste (ou de uma maior protecção), possivelmente porque esse pequeno impulso auxilia o seu trabalho. O que tenho mais dificuldade em responder por esta altura, e mais receio, diz respeito às consequências que um equipamento deste tipo pode ter no corpo, a longo prazo. Tendo em conta que é uma sapatilha concebida única e exclusivamente para bater recordes, tenho dúvidas até que ponto a protecção do corpo humano foi acautelada. Mas este raciocínio, com alta probabilidade, também vale para equipamentos com o mesmo intuito de gerações anteriores, portanto, aqui nada de novo.

Perto de terminar esta partilha, devo dizer que sempre me senti muito apreensivo em relação a este salto tecnológico. E assim continuo. Pergunto-me se não terá sido exagerado. Um assunto que já deu muito que falar no salto com a vara e também nos fatos de poliuretano da natação, sendo que estes últimos chegaram mesmo a ser retirados. Porque a partir do momento em que todos os atletas têm acesso a estes equipamentos, estão em pé de igualdade nas suas disputas, remetendo-se a questão apenas à capacidade da marca que patrocinam desenvolver sapatilhas superiores às da concorrência. Porém, tudo o resto deixa-me reticente e assustado. Afinal de contas, nos grandes eventos, os atletas meritórios perdem parte do destaque merecido para os ténis de corrida “vencedores. A partir daí, gera-se o incentivo à compra das sapatilhas da marca (provavelmente, também o resultado final deste artigo no leitor 🙁 ), e a (legítima?!) superação de recordes do mundo. Marcas que na realidade são ultrapassadas porque o atleta do presente pode ser melhor que o do passado, mas também, não sejamos ingénuos, porque a tecnologia dá uma grande ajuda.

Concluindo, e de volta ao ponto de vista individual, para ser justo e sincero comigo mesmo, possíveis novos recordes com estas sapatilhas e outros modelos semelhantes não poderão invalidar marcas anteriores. Pelo menos até que a diferença seja substancial, ou que a minha perspectiva sobre o assunto se altere. Tem graça que, no caderno onde registo todas as provas em que participo, na altura da pandemia criei uma separação entre as provas pré e durante/pós-COVID-19, apenas para registo histórico. Neste caso, sinto-me na necessidade de fazer uma espécie de reset aos recordes e criar uma divisória entre as marcas alcançadas antes e depois da Era da Placa de Carbono.

Claro que tudo isto foi apenas uma primeira experiência, possivelmente dotada de um efeito “psicológico-placebo” de correr com umas sapatilhas deste tipo. No entanto, os resultados exigem a minha atenção a esta mudança, para aquilo que poderá ser a próxima época e o novo ciclo de treino.

Boas Corridas!

 

Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.

Créditos Foto: Organização Corrida Portucale 2022 / EventSport

 

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

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