De costas para o portão da rua de minha casa, tenho duas escolhas: ou vou…
Está decidido: vou treinar para Marte!
Com os atletas africanos a dominarem por completo o atletismo do meio-fundo e fundo internacional, muito se tem apregoado que, sendo eles também humanos, a sua grande vantagem reside no facto de viverem e treinarem em altitude. Mas o que quer isto realmente dizer? Porque é uma vantagem estar em altitude? A explicação “mais vendida” sempre foi que, devido a uma maior redução do oxigénio em pontos mais altos, o nosso corpo vê-se forçado a produzir mais glóbulos vermelhos. Por sua vez, este incremento de glóbulos vermelhos no corpo humano torna o transporte de oxigénio muito mais eficiente, resultando num maior rendimento desportivo.
Caro leitor, deixe-me que lhe diga que não é disso que se trata. Na realidade, a grande vantagem das pessoas que vivem em altitude tem a ver com a distorção do espaço-tempo que se faz sentir na Terra (e nos outros corpos do universo). E isto já não é segredo nenhum desde que um senhor chamado Albert Einstein apresentou a Teoria da Relatividade Restrita e, mais tarde, a Teoria da Relatividade Geral. Percebo que a física não é o assunto mais interessante para desportistas e não-cientistas, todavia, dada a importância deste tema e sua desvalorização em relação aos glóbulos vermelhos, cabe-me a mim colocá-lo na ordem do dia.
A distorção do espaço-tempo e o presente alargado
Então, pergunta o leitor: como é que a Teoria da Relatividade (no seu todo) revela a verdadeira vantagem dos atletas que treinam em altitude? É simples! Segundo esta, o que existe entre o passado e o futuro não é o “presente” que nós tradicionalmente conhecemos (o momento instantâneo!), mas sim o chamado “presente alargado”. No planeta Terra, quanto mais próximos nós estivermos do seu centro (isto é, ao nível do mar, onde a força da gravidade é maior), mais lento o tempo passa em relação a quem está em pontos mais altos (ou seja, afastado do centro da terra, em altitude). Mas a diferença não se fica por aqui. Se nos continuarmos a afastar e abandonarmos o planeta Terra, seja para ir para a Lua, ou mesmo para Marte, maior será a diferença do já mencionado “presente alargado”. Um tempo que não é passado nem futuro, mas que resulta de um distanciamento cada vez maior entre a pessoa que está no centro da Terra e a que está nas suas extremidades ou já fora do planeta. Eis um exemplo para esclarecer: em Marte, enquanto eu faço 15 minutos de corrida, o leitor, situado na Terra, avançou 1 segundo no seu tempo de treino. Porém, por estranho que possa parecer, os meus 15 minutos de corrida não são o passado nem futuro do leitor, mas sim o seu presente (aquele mero segundo).
Com esta breve explicação, penso que fica claro o segredo dos atletas que treinam em altitude. Afastados do centro da terra, eles têm a vantagem do “presente alargado” que lhes permite treinar mais tempo. Enquanto o leitor, posicionado ao nível do mar, “gasta” um segundo da sua vida, eles “gastam” mais tempo e, logo, conseguem fazer mais coisas, como treinar mais. Por isto é que vou para Marte. Uma vez lá, enquanto faço uma semana de treinos, por cá só passaram cerca de 11 minutos. Boas corridas, eu cá vou de viagem. Até um dia destes!
Nota 1: Este artigo trata-se de uma mera brincadeira no que diz respeito à justificação apresentada para os atletas, maioritariamente africanos e que vivem em altitude, correrem mais rápido que os restantes. No que toca à abordagem às teorias da relatividade de Einstein e inerente distorção do espaço-tempo, essas realmente são verdadeiras (segundo a ciência) e eu dei o meu melhor neste texto para explicar essa distorção.
Contudo, de assinalar que as diferenças do “presente alargado” dentro do planeta Terra são insignificantes, isto é, ao nível das fracções de segundo, entre uma pessoa que esteja no centro da terra e outra na sua extremidade. Por seu lado, quando “saltamos fora” do planeta e nos afastamos mais e mais da Terra, a distorção torna-se significativa.
Seja como for, se aos olhos de algum cientista ou expert na matéria for detectado algum erro nesta minha explicação, estou totalmente disponível para correcções. A fonte de toda esta informação foi o livro fantástico de Carlo Rovelli, intitulado: “A realidade não é o que parece”. Por último, se a distorção do espaço-tempo pode parecer uma vantagem para quem vive afastado do centro da Terra, não se pode esquecer que também o envelhecimento do seu corpo se dá mais rápido, pelo que a vantagem se torna nula.
Nota 2: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
Créditos Foto de Capa: Yuri_B do Pixabay
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