Com 2024 na sua recta final, já não há volta a dar: a loucura e…
Que tipo de provas para o atletismo dos novos tempos?
Já lá vai cerca de meio ano desde a minha última competição na estrada. Um hiato que se iniciou devido à pandemia do COVID-19 e cuja saída deste mesmo estado continua muito incerta em qualquer parte do planeta. Caso para dizer que o regresso deste tipo de provas faz-se representar por uma luz ao fundo do túnel. Uma luz que nuns dias parece estar mais próxima e noutros quase nem se vê. Uma visão que tem alguma lógica. Afinal, este regresso depende, quer-me parecer, de dois factores. Das decisões tomadas pelos responsáveis da saúde e do atletismo – sempre condicionados por interesses, desinteresses, investimentos e falta deles, por outras partes interessadas – e, claro está, pela expansão e mutação do vírus no planeta.
Esta segunda circunstância revela aquilo que nós, em parte, quase todos os dias nos esquecemos: o Ser Humano não está no centro do universo. Portanto, esta é uma situação que, independentemente de sermos muito proactivos ou reactivos, há sempre uma probabilidade razoável de não conseguirmos controlar uma parte desta situação. Afirmar que “algumas coisas nunca serão como antes”, parece, de facto, ser o caso. Mas esta constatação também não é uma novidade para o Ser Humano, seja no atletismo ou noutra vertente qualquer. Ao longo da história, para o bem e para o mal, esta frase já demonstrou o seu sentido. Quanto mais não seja, num intervalo de tempo com dimensão suficiente para nos fazer esquecer que algumas coisas existiram outrora.
Posto isto, quer as provas de atletismo de estrada regressem amanhã ou daqui a 10 anos, parece-me estar mais do que na altura de se pensar em novas soluções, ou mesmo velhas. Alternativas e/ou modificações para que esse regresso não só transmita a sensação de segurança como a comprove na práctica. Maneiras em que a saúde e a competição estejam em equilíbrio na balança; que se equiparem a outros desportos que já reataram, sabendo nós que viver a vida não tem um risco zero de insegurança.
Quando a pandemia se instalou, a reacção imediata foi dar andamento às provas virtuais. Uma solução fácil, barata e rápida de executar. Perfeita para um breve hiato. Contudo, o termo “breve” há muito que já está fora do prazo de validade, sendo mesmo tempo de preparar o futuro. De volta à história, e também por boas e más razões, esta parece ser cíclica. Tal como aquelas coisas que entram e saem de moda. Quando em cima falei em “velhas soluções”, referia-me a desafios que quase se extinguiram e que têm agora uma oportunidade de recuperar a sua utilidade e interesse, em conjunto com outros que possam surgir pela primeira vez. Em paralelo com isto, se tiver mesmo que ser, guardar algumas das competições actuais na gaveta e resgatá-las mais tarde, quando houver o mínimo de segurança para tal. Ou pelo menos torná-las mais esporádicas. Ou pelo menos readaptá-las. Enfim, é uma questão de se meter “mãos à obra”.
Assim sendo, atiro para o ar várias situações que organizações de provas comerciais e federadas, ou até outras entidades, bem como os municípios que se esforçam por respeitar todos os desportos que têm practicantes nas suas áreas, podem considerar.
O atletismo de pista
Começo por lembrar o atletismo de pista, que já reatou e envolve muito menos contactos. Infelizmente, temos muito poucas pistas em Portugal. No entanto, uma aposta no atletismo de pista nos próximos tempos seria uma excelente solução/alternativa a todos os níveis. Vejamos o exemplo (já um pouco exagerado) de 30 atletas a participar nos 10 mil metros. O número é irrisório quando comparado com uma prova de estrada.
Mas não é tudo! Há ainda um outro factor importante, relativamente fácil de implementar, que não implica uma concentração exagerada de pessoas, e consegue garantir a manutenção das várias disciplinas. Refiro-me à realização de competições não apenas ao fim de semana, mas durante toda a semana, ainda que num horário mais tardio. Além das provas de pista não demorarem horas, não comprometerem o trânsito da via pública, esta práctica até já existe, não só no nosso país como noutros.
Por cá, temos o exemplo das chamadas “Noites Quentes” na Maia, que se disputam em dias da semana. Assim, ir rodando o calendário de disciplinas com os vários dias da semana à disposição parece, aos meus olhos, uma maneira exequível de manter os vários atletas a competir, de evitar a concentração diária de muita gente no mesmo espaço (seja dentro ou fora do recinto), para além de que, a longo prazo, a existência de mais pistas no país (e realização de mais provas), poderia chamar mais à atenção dos jovens para practicarem atletismo. Esta poderia ser até uma ferramenta muito útil para protocolos entre os clubes e as escolas da mesma região que permitiriam a manutenção da actividade física nos jovens caso as aulas de Educação Física se tornem mais limitadas. Em último lugar, e não menos importante, esta seria uma aposta indirecta no atletismo de pista em Portugal que, a longo prazo, poderia traduzir-se em melhores resultados internacionais nas várias disciplinas para Portugal, bem como em melhores condições de trabalho e de vida para os seus protagonistas.
O atletismo de estrada
Os contrarrelógios
Posto isto, viro-me para as provas de estrada. Primeiro, adaptadas ao ciclismo: quando é que temos contrarrelógios no atletismo? Penso que seria extremamente divertido. Os atletas, de forma individual, ou mesmo em grupos de 4 ou 5 elementos (dá para manter as distâncias entre eles nos pórticos de partida), partiam e passado um intervalo de tempo partiam mais 4 ou 5. No final, a classificação era ordenada pelo tempo de chip de cada atleta.
Inclusive, isto solucionava um problema que se verifica nas provas actuais. Refiro-me à perda de tempo dos atletas no pórtico de partida. Ainda que exista um tempo líquido e ilíquido que possa ser apurado no final, isto não tem impacto nas classificações e não tem em consideração o tempo e o stress (por outras palavras, rendimento desportivo) que alguns atletas gastam a tentar progredir quando têm muita gente à sua frente e estão bloqueados. Os dorsais VIP só resolvem o problema a alguns, a meu ver, com mérito, mas claro, todos os participantes, sejam lentos ou rápidos, têm o direito de partir em pé de igualdade com todos.
Pessoalmente, participar numa prova virtual pela parte competitiva, é o mesmo que fazer um treino exigente em solitário. Não sabendo se estou a andar bem ou mal em relação ao restante pelotão, o “bichinho competitivo” mantém-se adormecido. Ainda no que diz respeito a contrarrelógios, se ous 4/5 elementos à partida podiam ser sorteados pela ordem de inscrição ou algo do género, não é menos verdade que esta mesma ideia poderia servir para se fazerem provas por equipas. Ou seja, esses 4/5 elementos eram da mesma equipa e a prova era, objectivamente, um contrarrelógio colectivo e não individual.
As provas de estafetas
Semelhante ao contrarrelógio, surge-me na menta as provas de estafetas na estrada. Antes da chegada da pandemia, e segundo a percepção que tenho, muito poucas provas deste género se realizavam em Portugal. Aliás, parte desse número já reduzido inseriam-se em eventos onde nem eram a “prova-rainha”. Infelizmente, nunca cheguei a participar em nenhuma, mas gostaria imenso. Por exemplo, fazer uma prova de 10K com 5 elementos por equipa seria algo verdadeiramente competitivo e, mais uma vez, com um número mais aceitável de participantes. Mas não é tudo. A vencedora seria, naturalmente, a primeira a terminar.
Uma outra versão ocorre-me, oriunda de competições a eliminar de outros desportos. À semelhança do que acontece nas provas de pista por eliminatórias, por que não fazer estas provas de estafeta na estrada, mas por eliminatórias compostas por duelos individuais? Se fossem 3 participantes por equipa, num total de 16 conjuntos, estamos a falar de apenas 48 atletas, tornando logo possível construir uma tabela de competição entre equipas que iria dos oitavos de final até à final. A imprevisibilidade das equipas poderem fazer gestão do desgaste dos seus atletas, ou ter que os levar ao limite das forças em determinadas eliminatórias, consoante o adversário, seria um hino ao verdadeiro espírito competitivo.
Conclusão
A terminar, embora tenha muitas saudades da competição na estrada (este artigo é resultado disso mesmo e da minha paixão pelo desporto) e por vezes seja difícil aceitar o seu hiato – tendo em conta outros eventos e desportos que vão reatando – , compreendo a questão de saúde pública. E, acima de tudo, aceito que as circunstâncias futuras não dependem só do Ser Humano. Porém, com vários meses passados desde a chegada da pandemia, e com uma grande dose de nevoeiro e incerteza a pairar sobre nós em relação ao progresso do vírus, creio que no atletismo já passou a primeira fase de análise, a do “esperar para ver”. Penso que já é altura de se começar a preparar e a testar alternativas (até porque isto leva tempo) que transmitam segurança e que, como disse, podem ser velhas, ou novas. E como este artigo foi imagem disso, a partir do passado já surgem várias hipóteses. O mundo está em constante mudança, quer por nossa iniciativa, quer sem ela, e foi a partir disso que sempre nos adaptamos e evoluímos. Esta é só mais uma vez, das milhares e milhares, em que temos de nos adaptar e voltar a sair da nossa zona de conforto.
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
Imagem por Thomas Wolter no Pixabay
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