Findado o ano 2023, posso agora fechar esta rubrica. E, para o fazer da melhor…
Palavras simples que mudam um treino!
Nada melhor que retomar os artigos neste espaço com uma pequena aventura do dia de hoje que partilho com alegria. Mas antes de a contar, a minha habitual introdução chata.
Nos dias que correm, num ápice conseguimos estabelecer comunicação com alguém que está do outro lado do globo. Maravilhas da tecnologia atual, que avança descontroladamente e para a qual já não temos pulso. Entre tudo o que tem de bom e de mau, neste último pote marca presença a ausência do contacto presencial entre as pessoas. Um problema que, quase sem darmos conta, nos tira a percepção do verdadeiro poder das palavras, neste frente a frente cada vez mais raro.
Felizmente, a corrida força esse mesmo contacto quando saímos para treinar ou competir. Podemos até nem abrir a boca, mas pelo menos cruzamos olhares com outros corredores e ciclistas. Poderia aqui falar nos mais recatados, como eu, ou nos mais extrovertidos. Todavia, a aventura deste dia deixa bem claro que não são precisos grandes alaridos para se fazer a diferença. Bastam palavras simples, como as do acontecimento relatado já de seguida.
Um treino, um corredor e um ciclista
Sábado de manhã. Acordei mais tarde que o habitual para poder dar mais umas horas de descanso ao corpo. Ele tem correspondido muito bem às exigências dos treinos, mas infelizmente tenho tido dificuldade em recompensá-lo com pelo menos 8 horas diárias de sono. Com base nisto, planeio fazer o treino à tarde, pois ritmos rápidos fazem parte do programa e portanto há que dar tempo para “acordar” todos os músculos. Pelo mesmo motivo, o pequeno almoço foi mais reduzido.
Acontece que, por força de algumas circunstâncias, sou forçado a transitar o treino para o final da manhã. Ainda precisava de mais umas horas para ganhar vontade, mas se tem que ser … Trato então de me equipar, fazer alguns exercícios de aquecimento para ativar os músculos possíveis, e seguir viagem até ao local do treino. Uma vez lá, constato que está algum vento de norte. Não é uma surpresa, mas não deixa de aborrecer quando a vontade de começar não é muita, e mesmo sabendo que na volta tenho-o pelas costas. Arranco.
Volvidos 2 quilómetros de aquecimento e 5 minutos de descanso, está na hora de treinar a sério. Sem mais demoras dou início à série longa que marquei no meu plano: 40 minutos contínuos num intervalo de ritmo médio entre os 3:37/KM e os 3:47/KM.
Segundos depois, a minha mente logo começa a reforçar o seu pouco ânimo para aquele desafio e começo a sentir o vento de frente. Embora aquela zona até seja um pouco protegida, e a minha mente embala nesta ideia para me lembrar que ainda estão pela frente as zonas mais ventosas. Mas eu não estava mesmo para entrar em grandes trocas de argumentos. Ou pelo menos era o que eu pensava.
Ainda nem devia ter 2 minutos de treino quando um ciclista, que vinha no mesmo sentido que eu, passa por mim. Não me apercebi da sua presença pois estava ainda focado a tentar estabilizar o ritmo do treino. Ao passar, ele diz-me algo do género.
– A 20/km hora? Caramba!
– Nah, estou pelos 15/km.
Respondo eu. Mas imediatamente percebo o meu erro, pois ia mais rápido. Ainda para mais naquela altura em que estava a estabilizar o ritmo, pois tenho tendência a começar mais rápido que o pretendido.
– Aqui marca 20/km. – Responde o ciclista, após voltar a confirmar no mostrador que trazia na bicicleta.
Eu sabia que tal não era possível, mas aquela seria a velocidade do ciclista, já que rapidamente se colocou à minha frente. Aproveito então para corrigir as minhas palavras anteriores.
– O objetivo é isto é para ir para os 16, 17/km hora. – retorqui, incapaz de esconder um sorriso de alegria por aquele diálogo inesperado.
Já a cavar distância, o ciclista despede-se de mim com palavras curtas de incentivo. Palavras cuja precisão agora me escapa. Só tive tempo de gravar a imagem dos seus gestos de aprovação. Sem ordem prévia, o meu SNC decidira descartar o processo de memorização mais lento e aproveitar a alegria daquele momento para encurralar a falta de vontade e os pensamentos mais negativos que minutos antes ousavam estragar-me o dia.
Obrigado!
Resumindo, meia dúzia de segundos à conversa com “um estranho” (com o devido respeito e agradecimento a este senhor ciclista) serviram para virar o meu espírito ao contrário e completar o meu treino com sucesso. Mais do que isso! Tive 38 minutos ricos em boas vibrações que ainda continuam a ecoar por esta altura.
Este ciclista marcou o meu treino, e acima de tudo o meu dia, por intermédio das suas palavras simples e indiretamente elogiosas. Mas as repercussões irão mais longe. Com este ato, mostrou-me como eu posso marcar a diferença de mãos vazias. Obrigado!
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