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COVID-19 - Treinar Em Quarentena

O pátio da minha casa é magnífico! E não estou a exagerar!

O pátio da minha casa é longo e esguio, alargando apenas numa das suas extremidades. Digamos que tem a forma de um P quando, de uma perspectiva aérea, olhamos para ele no sentido Norte-Sul. Enquanto atleta que treina diariamente na rua e ao ar livre, o meu pátio é o último a despedir-se de mim quando saio para treinar, e o primeiro a receber-me quando chego do exercício.

Desde pequeno, o meu pátio foi sempre uma companhia para mim. Contudo, só nos últimos anos (os da corrida!), comecei a sentir-me grato por o ter. Mas nunca tão grato como nestes últimos dias. Desde que foi decretado o estado de emergência em Portugal, o valor do meu pátio disparou na bolsa de valores. Este bem imóvel fez de mim um homem rico nesta nova Era, encetada pelo COVID-19. Sim, a par de alguns, acredito que este mundo nunca mais será o mesmo daqui em diante. Mas isto não é uma novidade na nossa história, ou é?

Mas falemos do presente. Isto é, destes tempos de quarentena, e claro, do meu pátio! Fechado no perímetro da minha residência, é do meu interesse adaptar o meu treino ao recinto privilegiado que tenho. Ou isto, ou a desculpa que não tenho condições para treinar, acabando no sofá. A segunda opção é a mais fácil, a primeira é a melhor! Com a ajuda do meu pátio, estou confiante que muitas ideias e descobertas interessantes vão surgir ao longo deste processo de adaptação do meu treino. Aprendizagens, e, sobretudo, iniciativas, que antes me estavam barradas pelo conforto da rotina. Porque é sempre mais fácil fazer um treino que já se sabe o que implica, do que enfrentar o desconhecido e superar os atritos inatos ao Ser Humano que obstruem a reinvenção.

Por outras palavras, e com base na reflexão do parágrafo anterior, acredito que a melhor maneira de entrar nesta nova Era passa por estarmos predispostos a sair da nossa “zona de conforto”, edificada ao longo dos últimos anos, quiçá, décadas de vida. Porque, a bem ou a mal, com a chegada do COVID-19, somos obrigados a sair dessa zona. De igual modo, a bem ou a mal, a pandemia irá passar. A meu ver, a questão fundamental parece mais ser o controlo dos danos, para não morrermos nem da doença, nem da cura. Creio ser neste último aspecto que podemos fazer toda a diferença. A começar pela fase de quarentena tão importante, na qual vou intensificar a minha relação com o meu pátio.

De certa maneira, esta minha opinião que associa o atletismo ao COVID-19 pode ser vista como uma brincadeira. Mas não é! Eu levo o atletismo muito a sério! E se foi o meu pátio, a corrida, e a preocupação com o COVID-19 que me levaram a este artigo, isso também é uma consequência da minha vida profissional não ter sofrido grandes alterações com a chegada do vírus. O trabalho remoto, a inerente disciplina, e o sair da zona de conforto, que agora se exige a tanta gente que vinha de rotinas de vários anos, são pontos que lido com frequência. Não tenho outra opção, caso deseje ter uma vida digna, com o mínimo de qualidade, e ter a minha independência. E sabem que mais? Não há nada de assustador para lá deste desconhecido. Não é nada que não esteja ao nosso alcance para ultrapassar. Apenas nos é pedido que aproximemos mais as nossas capacidades do nosso potencial, em paralelo com uma mudança de várias rotinas em simultâneo.

A começar pela quarentena que, não sendo fácil, é suportável, se nos soubermos reinventar e aproveitar esse tempo. Mas há outra coisa boa. Embora à distância, estamos todos no mesmo barco. Logo, como alguns já o estão a demonstrar pelas redes sociais, a nossa quarentena pode servir de exemplo, inspiração, e incentivo às de outros. Tal e qual como os atletas que partilham os seus treinos nas “redes sociais” para mostrarem aquilo de que são capazes. Enquanto fazem isso com orgulho, estão a desafiar outros a fazer o mesmo.

Eis uma perspectiva mais singular. Em certos momentos das nossas vidas, levamos com pancadas valentes que nos apanham completamente desprevenidos. Que nos fazem colocar tudo em causa e questionar: o que é que eu vou fazer da minha vida? Momentos em que nos sentimos irritados, apavorados e isolados (por vontade própria até, com o orgulho a tomar conta de nós), tornando tudo mais difícil. Situando isto no panorama do coronavírus, o que me parece é que todos levamos, em simultâneo, uma grande pancada e, portanto, o sentimento é mútuo. Mais do que nunca, somos capazes de nos compreender uns aos outros e de expor as nossas dificuldades, pois é grande a probabilidade de estar alguém do outro lado capaz de nos compreender. Não só neste momento de isolamento, como também quando chegar a altura de reerguer negócios, empregos, e a qualidade das nossas vidas que o início desta nova Era já tirou ou está a colocar em risco.

Ah, mas estava a falar do meu pátio! Tenho de confessar! O meu pátio é uma espécie de santuário, onde faço caminhadas diárias. Uma regra que estipulei, precisamente para não me permitir estar sentado a trabalhar durante muitas horas seguidas (a tal disciplina!) e a “ganhar ferrugem” nas articulações. Como tal, aproveito essas caminhadas para “meditar” sobre muita coisa. Nos tempos que correm, o stress do dia-a-dia quase aniquilou a capacidade do indivíduo em geral de fazer isto. Ou seja, de “parar” (ou caminhar, no meu caso) para  pensar. De olhar à volta. De analisar as situações e os problemas de diferentes perspectivas.

Ora, este conjunto de gestos tão simples, parece, à primeira vista, insignificante. No entanto, ele pode originar muitas micro decisões diferentes, em milhões de indivíduos, a longo prazo, que, por sua vez, podem originar grandes mudanças na sociedade global. Com o COVID-19 a obrigar a uma quarentena de grande escala, muitas pessoas estão obrigadas a trabalhar o dobro, na linha da frente deste combate. Ao mesmo tempo, a outras, seja de forma forçada ou voluntária, é lhes permitido abrandar os ritmos alucinantes das suas vidas e, entre outras coisas, reflectir seriamente sobre o que é importante para elas e para o mundo. Com isto a acontecer a uma escala civilizacional, e não apenas em meia dúzia de indivíduos, os efeitos podem ser muito notórios. Tudo dependerá da nossa escolha: a letargia, ou a iniciativa e a proactividade.

A terminar, e como não sei se já vos disse, sou um privilegiado por ter o pátio que tenho. Por outro lado, enquanto tento cumprir com as indicações dos líderes deste combate, dou por mim a sentir-me curioso por descobrir a “bonança” que se esconde atrás desta “tempestade viral”. O que por si só me dá bastante ânimo! Não é nada agradável, mas é junto das maiores adversidades que mais evoluímos.

E como já muita gente consegue projectar o dark side do COVID-19, para quê estar a gastar energias preciosas a falar sobre o que está por todo o lado? Não é melhor aceitar que temos de sair da nossa zona de conforto e começar a pensar em como fazê-lo? Fortalecer laços (à distância de pelo menos um metro!) e idealizar o bright side de tudo isto para, quando surgir a oportunidade, lhe começar a dar forma, em comunidade? Boas quarentenas!

 

Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.

Imagem de Capa: Tumisu em Pixabay

 

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

Este artigo tem 2 comentários

  1. Olá Renato Sousa. Não-me conheces quase de certeza, já corri muitos km, parei uns tempos, retomei de novo, agora muito mais calmo, mas importa é sentir-me bem. Tudo isto para te dizer, que desde que descobri esta tua página, passei deves em quando a ler os teus artigos ou desabafos, que para mim, são sempre de grande aprendizagem, embora já tenha 67. Posto isto, entendi que estava na hora de te deixar este comentário porque bem o mereces, já agora nas poucas provas a que eu assisti, em que tu participavas sempre mandei o meu berro, força Renato. Peço desculpa pela maçada, continua bem no teu pátio. Abraço, Eugénio Cordeiro

    1. Olá Sr. Eugénio Cordeiro,
      muito obrigado pelo comentário e pelas palavras. De facto, não estou a ver em que seja, mas se já me viu em algumas provas e me incentivou, aproveito para agradecer o apoio, e com certeza que mais tarde ou mais cedo nos vamos voltar a cruzar e conhecer.
      Fico muito contente por saber que tem gostado de ler os meus artigos. Acho que a vida é isto mesmo, ou seja, estarmos sempre a aprender uns com os outros com as nossas partilhas, pois a vida de cada um é diferente. E este é um espaço também para isso, para desabafos e partilha de opiniões, que por mais diferentes que possam ser, quando há respeito, fazem-nos crescer.
      Abraço e até um dia destes 🙂

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