Se é sabido que não se deve julgar um livro pela sua capa, o mesmo…
Livros sobre Desporto que li em 2020 – Parte 1
No final do ano 2019, apresentei aqui os livros de desporto que li nesse intervalo de tempo. Agora, sensivelmente a meio do ano 2020, decidi repetir o processo. Visto que já contabilizo um número significativo de livros lidos que encaixam na temática, desta vez optei por dividir a “rubrica” em duas partes. Eis a primeira.
Lance Armstrong – O Ciclista
Vanessa O’Connell e Reed Albergotti
Quando aqui deixei um breve feedback sobre “It’s Not About the Bike – My Journey Back to Life“, manifestei também a minha vontade em ler os restantes livros publicados sobre Lance Armstrong. Assim, depois de ler a versão do próprio referente à sua luta contra o cancro e a algumas das suas vitórias, coloquei-me do outro lado da barricada para dar atenção aos relatos de Vanessa O’Connel e Reed Albergotti partilhados no livro “Lance Armstrong – O Ciclista”. Uma obra que se revelou muito mais minuciosa do que aquilo que eu estava à espera.
“Lance Armstrong – O Ciclista” detalha as demandas de várias pessoas que, durante vários anos, lutaram para trazer ao de cima a verdade sobre o rendimento desportivo do norte-americano nas provas velocipédicas. Porém, apesar do escândalo ter Armstrong como actor principal, o número de envolvidos era muito maior. Se assim não fosse, Armstrong nunca teria negado durante anos, e com toda a confiança, que nunca se tinha dopado. O esquema montado à sua volta tornou-se tão robusto e complexo que criou a ideia de “intocável” na cabeça do próprio.
O livro está muito bem estruturado, reflecte o trabalho de vários anos dos seus autores, e toda a informação extra recolhida que o suporta indica as fontes de onde esses dados foram retirados, de forma a que o leitor também as possa consultar. Ao mesmo tempo, o livro torna-se bastante difícil de digerir. Não apenas pelos fãs de Armstrong, mas de qualquer um que tenha acompanhado com fervor o ciclismo naqueles dias tão negros da modalidade.
A Marca dos Heróis
Christopher McDougall
Um livro que dispensa grandes detalhes, pois já conta com um artigo de análise no Vida de Maratonista. De forma sucinta, “A Marca dos Heróis” não tem muito valor pela história, mas sim por todas as questões que levanta em relação a mitos que se instalaram e/ou venderam no desporto em prol do favorecimento da actividade comercial e industrial e em desfavor da capacidade atlética e da saúde do corpo humano.
The Way of the Runner: A Journey Into the Fabled World of Japanese Running
Adharanand Finn
“The Way of the Runner” retrata a aventura de Adharanand Finn na “Terra do Sol Nascente”, a fim de perceber a mentalidade e os costumes deste povo no seu dia-a-dia, com particular atenção no atletismo. Os japoneses sempre privilegiaram as provas de fundo, dando pouca atenção à velocidade e ao meio-fundo.
Todavia, enganem-se aqueles que pensam que isto se traduz na palavra “maratona”. De facto, no Japão, uma das provas desportivas mais mediáticas (se não mesmo a mais!) de todo o calendário, é a Hakone Ekiden, que decorre anualmente a 2 e 3 de janeiro. Esta é uma prova de estafetas disputada entre várias universidades e onde que cada atleta percorre cerca de 20 quilómetros. Porém, se esta é a corrida por estafetas mais famosa do país, a dita cuja está longe de ser caso único. Como tal, importa salientar que este tipo de prova é dos mais recorrentes no Japão.
O autor, ao virar de cada página, revela parte da história do atletismo em solo nipónico, explica a grande aderência do povo japonês à modalidade – com particular destaque para as estafetas – e apresenta a velha e a nova mentalidade dos treinadores e atletas daquele país. Uma leitura que, não sendo extraordinária, é minimamente prazerosa e, acima de tudo, importante por incidir numa cultura diferente. Se o estilo europeu é o posto em práctica, o método africano o mais difundido devido ao domínio internacional dos seus atletas, então o japonês assegura o efeito novidade no leitor.
Corro para a Eternidade – A trágica ambição de Francisco Lázaro
André Oliveira
Uma obra que relata os últimos dias de vida de Francisco Lázaro. O atleta português que se apresentou nos Jogos Olímpicos de Estocolmo (1912) com uma ambição imensurável de vencer a prova da maratona. Como é sabido, o resultado dessa vontade foi trágico.
Pessoalmente, já conhecia a história de Francisco Lázaro, mas sem grandes pormenores. Neste livro de André Oliveira, é possível reconstruir a personalidade deste atleta e as suas aventuras durante a estadia na Suécia, em plenos Jogos Olímpicos. No entanto, o discurso utilizado pelo autor parece-me exagerado no uso de vocábulos pouco comuns. Por outras palavras, uma leitura pouco acessível e que parece contrastar com a vida pouco abastada e, provavelmente, pouco alfabetizada, do atleta, para além de em causa estar uma modalidade cujo termo “simplicidade” é dos mais adequados para a caracterizar. Creio que uma estratégia de escrita diferente teria tido um melhor resultado.
The Big Book of Endurance Training and Racing
Philip Maffetone
Guardei o melhor para o fim, parte 1. “The Big Book of Endurance Training and Racing” faz jus ao nome, pois pode tornar-se uma espécie de bíblia para os atletas de desportos de resistência que tiverem fé no método apresentado. Digo isto porque a abordagem de Philip Maffetone é completamente diferente daquela que a maior parte dos atletas adopta, isto é, a do “no pain, no gain“.
O leitor lembra-se do artigo “Quando estar em forma não corresponde a ser saudável!“? Na altura, pouca importância dei ao nome dos autores do estudo. Contudo, quis o destino, por via da Marca dos Heróis, que me viesse a cruzar novamente com os ensinamentos de Philip Maffetone. Este livro é uma abordagem holística ao treino e à competição, colocando na equação todas as decisões e acontecimentos que pautam o quotidiano e que podem comprometer – para melhor ou para pior – o rendimento desportivo, desde a alimentação, o stress, o descanso, etc.
Let Your Mind Run: A Memoir of Thinking My Way to Victory
Deena Kastor & Michelle Hamilton
Guardei o melhor para o fim, parte 2. “Let Your Mind Run” acompanha muitas das aventuras de Deena Kastor no atletismo – quer na adolescência, quer enquanto atleta profissional – não apenas no que toca aos seus resultados e desempenhos, mas também quanto à maneira e ao espírito com que Kastor se apresenta em cada um desses desafios.
Se a obra de Philip Maffetone mencionada em cima possui uma visão alargada sobre o método de treino e a saúde do corpo nos desportos de resistência e na vida, este livro de Deena Kastor – actual recordista norte-americana na distância da maratona – é uma lufada de ar fresco no que toca às diferenças entre encarar a vida e o desporto com uma perspectiva optimista ou pessimista.
De facto, mais ajustado do que considerar este livro actual é apelidá-lo de fundamental ou obrigatório nestes tempos em que, muito para lá duma pandemia, não existe um equilíbrio na divulgação da informação. Os gestos solidários, as atitudes positivas e as superações são descartadas para se dar foco exclusivo às tragédias e incitar-se ainda mais o crime, a violência e o desrespeito, ampliando-se tantas vezes a realidade dos acontecimentos só para se conseguir chamar à atenção do espectador e ganhar audiências. Assim se cria e desenvolve a falsa ideia de que o ser humano é apenas e só desprezível e cujas consequências estão à vista de todos.
Desabafos à parte, “Let Your Mind Run” torna-se muito atractivo por ser muito mais que a apresentação de uma perspectiva diferente do normal. Para lá da teoria, o leitor encontra a aplicação da mesma a uma vida real, a um caso concreto, que, para especial alegria de qualquer desportista, está ligada a esta vertente, denominada desporto, tão importante para uma vida saudável, equilibrada e feliz.
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
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