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Sapatilhas com Placa de Carbono

Sapatilhas com Placa de Carbono: Moderação e Vigilância

Já lá vão alguns anos deste que as sapatilhas com placa de carbono apareceram e, entretanto, tornaram-se a normalidade. Ora, este tipo de sapatilha é muito diferente de todos os outros utilizados anteriormente em provas de atletismo. Os seus resultados continuam a ser estudados e analisados, porém, até à data, parece evidente que tiveram um contributo significativo na melhoria de marcas nas várias distâncias, desde a pista até à estrada.

Todavia, e isto sou eu a supor, esta troca por melhores desempenhos terá um maior risco de lesões, a curto e longo prazo. Claro que é complicado, ou quase impossível, medir se o número de lesões entre atletas aumentou ou diminuiu, desde o aparecimento das sapatilhas com placa de carbono, e se são elas que estão na sua origem. Seja como for, logo à partida, a instabilidade que vários modelos deste tipo de equipamento apresentam parece-me um sinal claro de que não estão ali para proporcionar conforto e segurança ao nosso corpo. Contudo, como cada um as usa por sua conta e risco, e esta instabilidade e/ou menor controlo em determinadas situações (como em curvas mais apertadas; viragens em piso molhado ou com areia; etc) será sentida por todos os que as experimentam, até aqui, nada de novo. Logo, o que de facto me levou a escrever este artigo, vem a seguir, e começa com uma pequena história.

Há dias, marquei presença numa prova, mas em regime de treino, onde acabei por partir ao lado de um outro atleta que também ia cumprir a distância com tranquilidade, o que deu espaço para ter alguma conversa durante a corrida. Vim a saber que ele estava a recuperar dos gémeos, onde tinha sentido dor/desconforto muito forte por, suspeitava ele (e a mim fazia sentido), estar num processo de adaptação às sapatilhas com placa de carbono, que só tinha começado a usar recentemente. Naquela noite, ironicamente, eu estava a correr pela primeira vez com placa de carbono, após regressar de uma lesão algo prolongada. E no dia seguinte, senti eu mesmo uma espécie de aperto nos gémeos, e, ainda não totalmente aliviado dessas sensações desconfortáveis, alguns dias depois, quando as voltei a utilizar, acabei por carregar nesse desconforto significativo sobre os gémeos, que entretanto suavizou, por via de: pausa no uso desse tipo de sapatilhas; algum foam rolling nessa zona da perna; No meu caso, não foi nada de muito impeditivo, mas de facto andei alguns dias a treinar incomodado.

Terminada a história, e agora colocada em análise, dela sobressaem dois casos diferentes: uma situação que reporta a um processo inicial de adaptação às sapatilhas com placa de carbono (no caso do amigo a quem fiz companhia durante essa prova, que nunca utilizara antes este tipo de sapatilhas); e um caso (o meu) com já alguns anos de corrida com placa de carbono, não diariamente, mas com regularidade (provas e alguns treinos por semana), que inclui uma paragem por lesão e uma retoma à actividade e ao uso destas sapatilhas, após mais de mês e meio sem as utilizar. Mas em ambas as situações, o que se torna claro, e que nós facilmente nos esquecemos, são as alterações provocadas na mecânica de corrida (running mechanics) quando utilizamos sapatilhas com placa de carbono para correr. Dito de outro modo, a placa de carbono, e a estrutura da sapatilha em si, acabam por assumir trabalho que antes era feito pelo corpo e que o forçava a desenvolver os músculos e tendões solicitados.

Ora, quando se começa a utilizar estas sapatilhas (portanto, a curto prazo), o corpo vê-se forçado a mudar a sua mecânica, e essas diferenças, inevitavelmente, vão causar estranheza. Os efeitos podem ser vários, pois cada um tem uma postura diferente de corrida, com especial destaque para a parte do pé que primeiro faz o contacto com o solo, a cada passada, entre outras variáveis importantes (como correr no plano, ou em sobe e desce), e tudo isso tem um resultado final individualizado. E deixem-me reforçar o ponto referente à parte do pé com que aterramos no solo, pois parece-me de extrema importância. (Um parêntesis: no meu caso, lembro-me de, quando as utilizei pela primeira vez, me sentir bastante massacrado na parte lombar, durante alguns dias, o que antes nunca me tinha acontecido. Curiosamente, e escrevi-o na altura, tinha a percepção de os gémeos ficarem mais protegidos, o que é um pouco o contrário do reportado em cima e que me aconteceu mais recentemente.) Porém, devo dizer que, quando as utilizei nestes últimos dias, em nenhuma das situações eu fui aos meus melhores ritmos, e, como percepciono durante a corrida, em ritmos mais lentos acabo por aterrar mais com o calcanhar ou meio do pé, e só nos ritmos mais rápidos costumo mudar para uma aterragem com a ponta ou meio do pé (as descidas acentuadas são outro exemplo onde é mais comum aterrar com o calcanhar, independentemente da velocidade). E isto (modo de aterragem) faz muita diferença sobre os sítios do nosso corpo que vão sentir mais o impacto de cada passada.

Dito isto, e com toda esta conversa, acabo por olhar para a minha situação a longo prazo, perguntando-me se isto não é também já resultado das mudanças provocadas na minha mecânica de corrida. Em concreto, se este incómodo com os gémeos não resulta precisamente de algum trabalho importante ter passado a ser feito pelas sapatilhas e não pelo corpo, ao longo dos últimos anos, provocando o enfraquecimento desses músculos.

Em resumo, parece-me importante estar em vigilância constante em relação aos efeitos sentidos pelo uso das sapatilhas com placa de carbono, quer numa fase inicial, quer depois de feita a adaptação, pois as modificações na nossa mecânica de corrida podem trazer efeitos negativos a longo prazo, se não forem aplicadas estratégias (como o reforço muscular) para contrabalançar essas alterações na forma de correr e no trabalho que é solicitado aos músculos e aos tendões, como o de Aquiles. Medidas como a variação entre os diferentes tipos de sapatilhas, durante a semana, parecem-me mais importantes do que nunca, dada esta obsessão, das marcas, das organizações, e de nós, atletas, pelas melhorias dos recordes pessoais. Sempre a houve, arrisco dizer. No entanto, quando se chega ao ponto de haver sapatilhas no mercado, a preços absurdos, para se usar numa só corrida e depois deitar fora, e que mesmo assim têm uma grande procura por parte dos atletas (profissionais e amadores), penso que estejamos já noutro patamar de loucura. Um último dado importante: as sapatilhas com placa de carbono começam também a apresentar variações no posicionamento da placa dentro da própria sola, o que pode vir a dificultar um pouco mais a nossa própria análise às reacções e alterações do corpo a este tipo de equipamento, pois os efeitos na mecânica de corrida, mudando apenas o modelo e mantendo a mesma marca, podem ser diferentes.

Nota final: não sendo eu um especialista, este texto resulta de alguma leitura minha sobre o tema, mas, sobretudo, da experiência com este material. Como tal, optei por não o tornar muito técnico e adoptar antes um estilo perto daquele que seria uma conversa entre atletas sobre o assunto. Aliás, como se percebe, é um tema bastante complexo, e alvo de actualizações regulares, pelo que não me faz sentido ser demasiado incisivo. Apenas alertar e passar a experiência. E assim sendo, o que daqui sobra são as seguintes palavras de ordem: vigilância constante.

Boas corridas!

 

Renato Sousa

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

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