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XXII Meia Maratona Vig-Bay

XXII Meia Maratona Vig-Bay: Pontos de Referência

26 de Março de 2023. XXII Meia Maratona Gran Bahía Vig-Bay. A indecisão impera na meteorologia, junto da Fortaleza de Monterreal, onde foi traçada a linha de meta desta prova. O sol mede forças com nuvens tão escuras que essa opacidade lhes concede uma vantagem. A chuva parece iminente. Já o vento, naquela zona costeira, levanta-se mais cedo que os seus residentes. Da excepção fazem parte apenas as pessoas ligadas à organização do evento, alguns ciclistas, e escassos atletas que estão ali para o mesmo fim que o grupo de aventureiros do qual faço parte: chegar aos autocarros que vão partir em direcção a Vigo, onde tem início a meia maratona.

Durante essa viagem de transição, que ainda é longa, vê-se o Sol a virar o combate lá em cima a seu favor. A chuva não se concretiza, e os raios de luz são cada vez mais largos e radiantes. Se parece faltar pouco para o tão desejado knock out ao mau tempo, chegados a Vigo, a contenda volta a ficar equilibrada. Ali está demasiado fresco (para meu gosto), mais até por culpa do vento. Felizmente, com o aquecimento e o aumentar do calor humano da multidão, esse “desconforto meteorológico” vai desaparecendo.

Para uma prova algo discreta no calendário, la XXII Medio Maratón Vig-Bay tem um pórtico de partida que é o dobro do tamanho necessário, fazendo lembrar as grandes maratonas. Há um aproveitamento de toda a largura da Avenida de Samil, o que sugere que o tráfego automóvel não é uma prioridade naquela manhã (e início de tarde). Nem ali, nem ao longo do percurso até Baiona, com passagem por Nigrán. Desta forma, e pela força (amarela) da cor do meu número de dorsal, parto na linha da frente. Não estou propriamente nervoso, mas também não estou muito relaxado. Por mais que a prova não seja um objectivo, não quero dar parte fraca, pelo que a preocupação (mínima) com o desempenho é uma inevitabilidade. E ainda bem. Haja foco!

Por força das circunstâncias, e por decisão própria, cedo me instalei num grupo que, ao contrário do que é habitual, com o desenrolar da primeira parte da prova ganhou mais elementos. E assim se manteve, pelo menos até ao quilómetro 14. A partir daí, não sei dizer, pois, e permitam-me o contentamento: pisguei-me dali para fora. Isto não estava nos planos (até porque vim para a frente do grupo de forma natural), como não estava divertir-me tanto nesta prova. Contudo, foi ali que toda a brincadeira começou.

Primeiro, em fuga, segundo as Regras de Moscovo: ou seja, sem nunca mais olhar para trás. No silêncio da costa, e numa zona sem transeuntes, os passos dos perseguidores ouviam-se sem dificuldade. Limitei-me a continuar a correr e, com o passar dos minutos, os sons cessaram. Mais à frente, ainda junto à costa, mas de novo no asfalto, troquei de papel e fui “caçar passarinhos”. Aqueles que já iam em défice de energia ou mais lentos do que eu.

Nada disto foi premeditado. Nada disto foi inocente. Simplesmente, foi um convite do momento, no qual eu decidi alinhar por estar mais confiante que na primeira metade da prova. Como explicar a chegada das boas sensações? Quem sabe pela protecção que o grupo me deu: quer a nível externo, ao ter outras pessoas a marcar o ritmo e a barrar, dentro do possível, o vento; quer a nível interno, já que passei boa parte do tempo a apreciar e avaliar os meus adversários (todos eles desconhecidos), isolando-me assim das minhas dúvidas e, quem sabe, ganhando alguma folga mental. Como já disse, a minha saída do grupo não foi forçada. Aconteceu de forma natural, o que faz lembrar aqueles momentos da nossa vida em que já estamos demasiado confortáveis com o estado das coisas e, de alguma forma, a roçar o aborrecimento. Nessas alturas, parece haver uma maior probabilidade de sermos mais ousados e ambiciosos, pois acreditamos reunir as condições necessárias para correr esses riscos.

Pois bem, dado esse passo, ficamos limitados a dois resultados possíveis: ou chegamos ao outro lado da margem e alcançamos o sucesso; ou acabamos por ficar a meio da travessia e a corrente, a pouco e pouco, traz-nos de volta à margem de onde partimos. Portanto, no meu caso, se tomar a iniciativa foi importante, não menos foi ter gente em vista ao longo desta travessia. Os tais “passarinhos” (cujas penas, arrisco dizer, já qualquer atleta terá vestido) que, naqueles quilómetros finais, foram a minha referência, cada um a seu tempo. Foram eles que me mantiveram focado e entusiasmado com as minhas capacidades do momento e que facilitaram as minhas decisões quando era necessário tomá-las. Se a situação anterior não se verificasse, isto é, se a minha saída do grupo fosse apenas para acabar à frente daqueles a quem acabara de fugir, o mais certo seria – dada a falta de qualquer outro objectivo significativo na prova; com o passar dos quilómetros em solitário e sem progressos visíveis; por desgaste ou aborrecimento; – acabar no ponto de partida da minha iniciativa, ao ser absorvido pelo grupo ou o que restava dele.

Ultrapassada esta aventura e o cenário vivido, sou forçado a concluir que é neste tipo de investidas que melhor percebemos o quanto depende de nós e o que não conseguimos influenciar. E que, assim como andamos sempre à procura de referências para saber o que fazer, estamos também, seja de forma passiva (como estes “passarinhos” na prova), ou activamente (pelo nosso comportamento, dialéctica, ou até por algo estúpido que a outros olhos é sensato) a ser checkpoints para alguém com quem partilhamos este planeta. E isto pode-se aplicar apenas num momento muito particular da nossa jornada, anos a fio, ou durante a vida toda.

A terminar, de realçar que em causa está um tipo de observação positiva, capaz de trazer essas pessoas até nós (não confundir com o Big Brother do “1984”, de George Orwell, nem com o stalking dos dispositivos tecnológicos actuais). E “só” o tomar consciência disto parece suficiente, em dias mais complicados, para nos lembrarmos que vale a pena viver. Porque mesmo não estando à nossa vista, há sempre alguém a tentar aproximar-se. O que não só é reconfortante recordar, como reacende o nosso sentido de responsabilidade e nos motiva a prosseguir com a nossa travessia e a reencontrarmos aquelas que sabemos estarem à nossa espera, algures. Como eu tinha amigos na linha de meta, quando regressei a Baiona para terminar a minha prova. E de novo junto de “velhas” referências, depois de mais uma jornada, há sempre tempo para descansar um pouco, apreciar a vida, e, neste caso em específico, constatar que àquela hora o vento já tinha “baixado um pouco a bolinha” e o sol raiava no céu sem qualquer tipo de impedimento. A Fortaleza de Monterreal convidava-nos a entrar.

Boas corridas!

 

Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.

Foto: Organização da Prova

 

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

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