Não consigo precisar há quanto tempo (deve andar perto de dois anos) passei a consultar…
Volta a Paranhos – As variáveis que não conseguimos controlar
Alguns leitores, mais antigos e regulares deste espaço, rapidamente perceberão que o texto que se segue é da mesma família do aqui publicado em Março de 2023, na altura associado à minha aventura na Meia Maratona de Vig-Bay. Os contornos são semelhantes, mas o ângulo de observação é um pouco diferente, o que para mim justifica voltar a escrever sobre o assunto e afinar algumas ideias. Digamos que aqui a visão é mais estratégica, resultante da competitividade, elemento esse transversal a muitas situações que pautam (repetitivamente) a nossa vida. A origem disto tudo é a do costume: a minha prestação numa corrida de estrada – desta feita, a 67ª Volta a Paranhos – e a conversa que tive com o meu amigo Fábio Barbosa no pós-prova.
Vamos lá ver. Uma das maiores frustrações de um atleta é quando treina arduamente para uma prova em específico, nela depositando grandes esperanças que vai conseguir a tão desejada melhoria de marca pessoal, pois a corrida reúne todas as condições para isso: está homologada na distância, é uma prova rápida, tem um excelente nível competitivo e muito público a apoiar, pelo que, estando o atleta em boa forma, o objectivo será alcançado. Nos bastidores deste cenário, o que acontece é que a expectativa do atleta em relação àquela competição torna-se (exageradamente?!) alta, o que tem repercussões no estado emocional e gestão da pressão sentida naquele dia.
Ora, o problema, no caso concreto das provas de estrada, é que elas têm algumas zonas cinzentas. A questão da meteorologia será o exemplo mais óbvio. Um dia de temporal pode ser o suficiente para deitar por terra as aspirações do atleta e, dadas as grandes esperanças que foram cultivadas durante a preparação específica para o desafio em questão, o preço a pagar por essa frustração torna-se também mais elevado, quer na motivação para competir no dia da prova, quer nas semanas de treino seguintes. (Certamente que quem luta pela vitória na corrida, ou no respectivo escalão, tem motivações adicionais que podem, de alguma forma, amparar a frustração sentida pelo mau tempo instalado na região. No entanto, como esta situação, arrisco dizer, é exclusiva de apenas 5% do pelotão, a ideia aqui é focar nos outros 95%, que representam a regra e não as excepções.)
Posto isto, e deixando a meteorologia sossegada, está na altura de destacar uma outra variável de corrida, que é muito discreta mas que a meu ver tem bastante influência no nosso desempenho. E sobre a qual também se tem pouco controlo, embora uma afinação da nossa capacidade de “ler a corrida” possa amenizar um pouco os resultados quando estes se perspectivam pouco favoráveis. O impacto desta variável ficou bem registado na minha última competição, pelo que vou utilizar o meu caso pessoal para a ilustrar.
67ª edição da Volta a Paranhos. Entre os vários atletas que se apresentaram na linha de partida desta prova (grupo que eu não consigo controlar), felizmente havia vários cujo nível de forma se revelou similar ao meu (ou vice-versa). Durante a corrida, este acaso feliz permitiu-me ter sempre atletas no meu raio de visão que, e isto é tão ou mais importante, me pareciam alcançáveis. Esse foco saiu-me reforçado por, ainda que paulatinamente, estar a conseguir aproximar-me deles. E não foi uma questão de subir muitos lugares na classificação durante esta jornada (salvo erro, subi apenas 1 na segunda volta). Simplesmente, aquelas circunstâncias de corrida (não controláveis), prolongadas durante toda a prova, mantiveram-me vivo e concentrado até à linha de meta.
Se porventura, por mais aproximada (na teoria) que a prova fosse das condições ideais (inclusive com um nível competitivo acima da média), eu me visse numa posição como a seguinte: ainda numa fase prematura, ficar muito longe do atleta que seguia à minha frente, e, em jeito de defesa do meu lugar, com um grande espaço para quem me perseguia (resultando daí alguma tranquilidade), então, automaticamente, o meu desempenho ficaria comprometido. Porque quando o cenário é este, torna-se muito complicado suster a linha de concentração verdadeiramente competitiva. Não só se começa a relaxar e a divagar, seja externa ou internamente, como aumenta a sensibilidade do esforço, e daí um possível abrandar de ritmo.
Ainda no meu caso, além de só ter ganho um lugar, o registo cronométrico não foi o meu melhor (apesar de muito bom, em particular se tiver em conta a dureza da prova). Mas olhar apenas para os números (as estatísticas e a big data estão na moda) não revela nada de extraordinário. Contudo, há um outro aspecto importante escondido nestas condições de corrida: por via desta maior concentração na disputa, que retira algum espaço para a manifestação do desconforto e do sofrimento, fico com a impressão que isso resulta numa grande poupança de energia mental, que pode assim ser canalizada para os desafios mais exigentes que a vida nos reserva para os dias seguintes do calendário.
Chegado a este ponto, em jeito de quilómetro final do texto, devo dizer que, com o passar do tempo e da experiência acumulada no atletismo, cada vez mais me convenço do seguinte (mesmo que em provas mais propícias a recordes não seja fácil dissociar a mente dessa possibilidade): que o melhor é manter a disciplina e continuar a fazer o trabalho bem feito. As coisas acabarão por acontecer.
Em termos cronométricos, isto pode traduzir-se no “andar a rondar os números desejados”. Por exemplo: ando a tentar entrar na casa dos 31 minutos aos 10K e nos 70 minutos à meia-maratona. Ainda não aconteceu. Porém, enquanto as provas, nas respectivas distâncias, me continuarem a apresentar resultados nos 32 minutos e nos 71 minutos, posso ficar tranquilo, pois sei que a qualquer momento posso ser capaz de subir esse degrau.
Em termos mais filosóficos, como a vida tem uma boa dose de novidades, mas também muito de repetição, talvez o melhor seja mesmo manter a disciplina e, quando as coisas não nos correrem de feição, ter um pouco mais de paciência e esperar que a vida dê mais uma volta. Lembro que na Volta a Paranhos o percurso é constituído por duas voltas. Todavia, ao passar pela linha de partida/meta, na primeira volta viramos à direita, enquanto na segunda viramos à esquerda. No entanto, ambas as travessias vão reconduzir-nos ao mesmo sítio, logo, é continuar a fazer o trabalho e a circular.
Boas corridas!
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
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