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A Marca Dos Heróis - Christopher McDougall

A Marca dos Heróis, Christopher McDougall – Livro

Depois do sucesso de “Nascidos para Correr”, Christopher McDougall reapareceu, em 2015, no mundo literário com “A Marca dos Heróis”. De nome original: “Natural Born Heroes: How a Daring Band of Misfits Mastered the Lost Secrets of Strength and Endurance“, este livro despertou a minha atenção pelo seu contexto histórico, a Segunda Guerra Mundial, alicerçada na minha satisfação com a leitura do seu trabalho anterior. Por estranho que possa parecer, não li este livro à procura de respostas, mas de mais perguntas de valor. E não é que as encontrei?

Assim, terminada a leitura de “A Marca dos Heróis”, tenho agora ainda mais pontas soltas para atar nos meus estudos relacionados com matérias do corpo humano, do atletismo e da saúde. Porém, como se costuma dizer, a jornada é mais importante do que o destino, e este livro promete ser o meu ponto de partida para mais uma grande aventura de investigação, sem mãos a medir.

 

A Marca dos Heróis – Sinopse

Abril de 1944, Ilha de Creta. O general alemão, Heinrich Kreipe, é raptado nas barbas das tropas nazis. Um feito levado a cabo por alguns membros da SOE (Executiva de Operações Especiais) britânica, em conjunto com alguns resistentes cretenses.

Por si só, o rapto de Kreipe foi um feito notório, digno de mais reconhecimento nos dias de hoje, quando se aborda a história da Segunda Guerra Mundial. Mas quanto ao interesse do atleta nesta aventura, esse só desperta quando o grupo peculiar de raptores enverga pelos trilhos arriscados que se estendem por toda a ilha de Creta. Se os membros da SOE são tudo menos soldados estereotipados, os cretenses demonstram uma força e resistência de fazer inveja à maioria dos leitores.

Com Creta no epicentro de toda a história, Christopher McDougall entra assim num rodopio de viagens a partir da ilha grega. Visitas ao passado para falar sobre a mitologia grega, e ao futuro – o presente do leitor – para falar da “industrialização” da actividade física. Pelo meio, o autor partilha o reconhecimento pessoal que fez à “ilha dos Heróis”, enquanto aviva os meandros do rapto de Heinrich Kreipe.

 

Uma estratégia narrativa que não resultou

Ao contrário do que se verificou com o livro “Nascidos para Correr”, desta vez os saltos temporais ao longo da história não encaixaram. As várias personagens, entre as quais o próprio autor, são interessantes pelos seus perfis não coincidirem, o que resulta numa espécie de efeito novidade a cada cientista, guerreiro, atleta, médico, ou outro profissional, que surge ao virar de cada página.

Todavia, quando chega o momento de entrelaçar toda esta gente e construir com elas uma história paralela entre o presente e o passado, o resultado está longe de ser bom. Atrevo-me a dizer que os timings escolhidos para se saltar entre datas e acontecimentos nem sempre foram os melhores. Mas independentemente disso, a verdade é que os cenários e as personagens apresentavam um coeficiente de compatibilidade muito reduzido. Esta terá sido a grande barreira com que o autor se deparou. A questão é Christopher McDougall já tinha superado esta última dificuldade em “Born to Run“, pelo que fazê-lo uma segunda vez não seria surpresa para ninguém.

Nesta obra, não é preciso muito tempo para o leitor perder o rasto às personagens que lhe foram introduzidas e, quando elas reaparecem, por vezes é necessário recuar algumas páginas para se reencontrar com a trama. Uma autêntica mixórdia que se verifica do principio ao fim. Se algumas personagens não sofrem com isto por marcarem presença num único capítulo ou algo do género, já os intervenientes da Segunda Guerra Mundial perdem algum valor, pois as suas declarações estão mais dispersas. De facto, o relato do rapto de Heinrich Kreipe será mesmo o mais prejudicado, pois a certa altura perde o interesse.

 

A Ilha de Creta

Como disse, se a parte narrativa está aquém do desejado, as abordagens individuais são muito interessantes. Do ponto de vista histórico, a “Marca dos Heróis” presenteia o leitor com dois temas muito interessantes. A Segunda Guerra Mundial e a Mitologia Grega.

Na primeira, mais interessante do que o rapto de Kreipe é a apresentação da SOE (Special Operations Executive). Uma organização criada por Winston Churchill e Hugh Dalton, cujos requisitos de admissão eram muito especiais, longe daqueles que são procurados numa recruta militar normal. Não me vou alargar mais para não estragar o prazer da leitura, mas este será o aspecto sobre a Segunda Guerra Mundial mais interessante que o livro apresenta.

Em relação à Mitologia Grega, esta é uma viagem muito enriquecedora. A começar pelo papel fundamental de Creta nos mitos antigos, passando pela aproximação que é feita entre Deuses e Humanos, e convergindo nos verdadeiros super atletas do último século.

 

Os temas apresentados dignos de reflexão

À medida que Christopher McDougall vai relatando a sua experiência em Creta e o rapto do General Kreipe, as interrupções acontecem para a análise de assuntos de grande interesse para os atletas do presente, embora aplicáveis ao cidadão comum. Na impossibilidade de dar destaque a todos os assuntos, merecem destaque os seguintes.

 

A fáscia

A fáscia é o tecido maleável que se estende por todo o nosso corpo. Nesta obra, e com suporte em várias opiniões, o autor coloca em questão toda a relevância dos músculos em prol desta rede de fibras que nos envolve. Ao contrário do que assumimos como inquestionável, a verdadeira força física poderá advir da fáscia e não dos músculos. O autor apresenta alguns acontecimentos do seu tempo para justificar a abertura deste debate. Em paralelo com isso, admira-se com a capacidade dos resistentes cretentes que, em plena Segunda Guerra Mundial, circulavam suavemente pelas montanhas perigosas da região, durante horas e horas. O segredo para esta resistência inesgotável parece residir no treino de equilíbrio, propriocepção e salto, isto é, no desenvolvimento da força elástica.

 

A massa gorda como combustível

A, já mencionada, “industrialização” do exercício físico. A revolução industrial mudou o mundo, e a actividade física não passou incólume. Assim o indica Christopher McDougall com vários assuntos que traz à baila ao longo deste livro. Vivemos numa Era (pelo menos no pré-COVID-19), em que os negócios surgiam dos cantos mais resguardados de qualquer nicho. A necessidade de ganhar dinheiro e o discurso comercial começaram a colocar o foco fora das capacidades naturais do Ser Humano ou, quando centradas nele, dependentes de algo que movimentasse dinheiro. Nem é preciso sair de 2020 para se reflectir sobre isto. Basta ver todo o foco de atenção depositado em sapatilhas de corrida durante este ano.

No meio de vários tópicos que o livro traz à baila, um dos pontos mais interessantes é o da utilização da massa gorda como combustível na corrida, colocando de parte os hidratos de carbono. Mais uma vez, os cretenses servem como exemplo, assim como o célebre cientista Tim Noakes. Depois de tantos anos a defender e a escrever sobre a importância de uma dieta à base de hidratos de carbono, o conceituado cientista reconsiderou as suas crenças nesta matéria. Pelo meio, a dependência do açúcar e a relevância que as bebidas energéticas ganharam, pela via comercial, também não escapam à discussão.

 

O movimento natural

Um último assunto, mas de tanta ou maior importância que os anteriores. Desde os primórdios que o Ser Humano esteve sujeito a uma necessidade constante de movimento e vigilância à sua volta. A caça dos primitivos aos animais selvagens suscitou, por uma via NATURAL, a evolução da condição atlética do Ser.

No entanto, essa capacidade começou a perder-se nos últimos séculos, reduzindo drasticamente a capacidade de reacção do Ser Humano em situações de emergência. Como resultado de um maior comodismo e consumismo, o treino físico do indivíduo adquiriu uma forte componente artificial. Há algumas décadas atrás, Georges Hébert e Edwin Checkley aperceberam-se disso. Agora, outros dão seguimento às crenças e preocupações destes dois, como é o caso de Erwan Le Corre.

Em suma, o “movimento natural” tem como foco o desenvolvimento das capacidades físicas necessárias para o Ser Humano reagir em situações de risco real. Porque treinar para fins competitivos não se traduz na evolução destas capacidades! De igual modo, o estereótipo actual de que as mulheres têm que ser magras e os homens musculados abriu portas aos ginásios com vista a uma rápida reformulação do corpo. Uma mudança que muitas vezes não vai além da aparência. Referenciado no livro, o vídeo que se segue de Erwan Le Corre demonstra aquilo que podemos encarar como a verdadeira forma física FUNCIONAL.

 

 

Conclusão

Resumindo, “A Marca dos Heróis” é, como disse na introdução, uma obra muito válida se for encarada como um ponto de partida. As questões levantadas sobre o movimento natural do Ser Humano, a fáscia, e o uso da massa gorda como combustível, são extremamente interessantes.

Por outro lado, o livro vale também pela divulgação de alguns acontecimentos reais, passados na Ilha de Creta, em plena Segunda Guerra Mundial. É o caso do rapto de Heinrich Kreipe, provavelmente desconhecido da maioria dos leitores, e, sobretudo, da fundação da SOE. Por último, as abordagens à Mitologia Grega aguçam também a curiosidade do leitor interessado nesta matéria.

Contudo, quando Christopher McDougall se decide a juntar todas estas peças numa única história, ainda que em diferentes linhas de tempo, o resultado final é pobre. Ou seja, quem procurar neste livro uma história extremamente conexa, não a vai encontrar. Pelo resto, que é muito, pois existe um grande trabalho de investigação em vários sentidos, o livro vale bem a pena.

 

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

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