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Quando Estar Em Forma Não Corresponde A Ser Saudável

Quando estar em forma não corresponde a ser saudável!

Uma coisa parece ser intrínseca à outra. Mas não é! Foi no outro dia, durante mais uma das minhas deambulações pela internet, à procura de artigos com interesse para a minha vida desportiva (atletismo), que de alguma forma voltei a desaguar no site “Springer Open”.

Para ser específico, no artigo de investigação: “Athletes: Fit But Unhealthy?”, de Philip B. Maffetone e Paul B. Laursen. O artigo chamou-me prontamente à atenção pelo seu título, o qual os próprios autores consideram paradoxal. De facto, reina o estereótipo que quem pratica exercício físico e apresenta bom rendimento desportivo é bastante saudável, ao contrário de quem não o faz.

Todavia, assim como existe uma linha que separa o indivíduo pouco saudável e que não pratica exercício físico daquele que pratica e se apresenta em boa forma, também existe uma linha no outro extremo que separa o atleta saudável e em boa forma daquele que, em boa forma, está longe de ser saudável.

 

Para percebermos melhor esta diferenciação, o melhor será começar pela forma como os autores desta investigação definiem “ser saudável” e “estar em forma”.

Ser saudável – um estado de bem estar completo (mental, social e físico) em que todos os sistemas do nosso corpo (nervoso, hormonal, imunitário, digestivo, …) funcionam em harmonia.

Estar em forma – qualidade de ser capaz de desempenhar uma tarefa física específica, a qual diga respeito à área do exercício e do desporto.

Agora que já temos as definições, podemos avançar para a grande questão em que se debruça este estudo.

 

Quando é que estar em forma não corresponde a ser saudável?

Segundo os autores, em dois momentos.

O primeiro é quando a carga de stress físico a que sujeitamos o nosso corpo vai muito para lá daquilo que ele consegue aguentar. Um acontecimento que nos conduz ao chamado “excesso de treino” (“overtraining”).

O segundo está diretamente relacionado com as dietas ricas em hidratos de carbono refinados. Estes afetam de forma negativa a taxa de oxidação de lípidos (gorduras) do nosso corpo, o que corresponde a torná-lo mais susceptível à inflamação e à dor.

Desta forma, quando nos vemos dentro destes parâmetros, estamos mais propícios a lesões de categoria física, bioquímica e até mental. Por estas alturas, podemos até estar com as nossas melhores performances de sempre. No entanto, o mais provável é o nosso corpo estar longe de ser saudável.

Agora por outras palavras. Se os vários sistemas da nossa “máquina” não estiverem em harmonia, talvez isso queira dizer que temos muito mais potencial que o apresentado no nosso momento de forma atual. Por mais “em forma” que julguemos estar por esta altura.

Adaptado de Meeusen et al. [1] e de Kreher and Schwartz [2], os autores deste estudo tiveram o cuidado de apresentar alguns dos sinais e sintomas que nos podem alertar para o facto do excesso de treino nos estar a bater à porta e de estarmos para lá da linha que significa “ser saudável”.

 

Sinais e Sintomas do “overtraining

Distribuídos pelas diversas categorias.

 

Componente Física

  • Diminuição do rendimento desportivo;
  • Fatiga, dor e rigidez dos músculos;
  • Cansaço geral constante;
  • Bradicardia. entre outras oscilações no ritmo cardíaco;
  • Condições de doenças que até à data não se verificavam no atleta: asma, tiróide, diabetes, escassez de ferro, alergia ao glúten, hipertensão;

 

Componente Bioquímica

  • Stress e danificação oxidativa excessiva;
  • Maior susceptibilidade a infeções virais, bacterianas, entre outras;
  • Inflamações;
  • Má alimentação;
  • Desequilíbrio hormonal;
  • Redução dos níveis de glicogénio nos músculos;

 

Componente Mental/Emocional

  • Desequilíbrio alimentar;
  • Depressão;
  • Insónias;
  • Alterações de humor;
  • Perda de motivação;
  • Redução dos níveis de concentração;
  • Ansiedade;

 

Adaptação deste estudo à realidade

Longe de ser especialista na matéria, estou de acordo com o que li no documento original e que para aqui transpus. Porém, uma coisa é a teoria, outra é a sua aplicação prática, que tantas vezes é trocada por outros procedimentos mais fáceis e/ou por decisões menos dolorosas.

Quem tem por hábito levar o desporto e a competição a sério, seja a que nível for, sabe bem do que falo. O ignorar os sinais que nos podem trazer problemas a longo prazo, a fim de evitarmos alterações à nossa rotina desportiva. Particularmente nas alturas em que se aproxima uma prova importante, a nossa capacidade de sacrifício aumenta, assim como o foco nesse objetivo. Vejamos alguns exemplos.

  • Uma dor que noutra altura da época seria insuportável passa a ser suportável.
  • O corpo demonstra fraqueza dia após dia. Em vez de abrandarmos, fazemos a promessa a nós próprios de dar descanso imediatamente após a prova-objetivo.
  • Um défice de energia originário num desequilíbrio alimentar que prolongamos por mais uns dias, pois existe a possibilidade de ganhar peso e com isso perder rendimento.

 

Atitudes destas e suas semelhantes são tomadas com frequência pelos atletas. Atitudes que podem ser encaradas como sacrifícios em prol daquilo que acreditamos ser o melhor para o nosso momento atual. Porque o que interessa é o agora e não o depois. E, de certa forma, este tipo de decisões é natural. Eu, por exemplo, revejo-me logo no primeiro caso, pois só tenho tendência a queixar-me ou a analisar a situação quando o problema se mantém por vários dias.

Vejamos agora o exemplo concreto da maratona. Um atleta que se prepare para ela durante quatro longos meses e tem um percalço na semana anterior à prova. Uma maratona que até é fora do país e pode ser uma oportunidade única na vida. Obviamente que a tendência do atleta será reunir condições para fazer a prova. Pode não ser o mais correto e arrecadar-se com as consequências desta escolha mais à frente. No entanto, esta será a proposta de resolução do indivíduo com maior probabilidade de ser executada.

Definitivamente, este tipo de escolhas não são vistas com bons olhos pela nossa saúde. Todavia, a não ser que o nosso rendimento desportivo caia com estrondo, continuamos a ignorar os sinais. Ou seja, a forma mantém-se. A saúde vai-se!

 

Quando as conquistas têm que valer os riscos!

Não querendo fazer da exceção a regra, por vezes, ultrapassar a linha do saudável por umas horas pode-nos proporcionar um momento inesquecível que justifique esse risco. É como viver até aos 100 anos, olharmos para trás e não termos nada com significado para recordar. Ou viver até aos 50 anos e sentir-mo-nos a pessoa mais realizada do mundo graças às nossas vivências.

A meu ver, creio que tudo se resume a conseguirmos encontrar o que para nós é o equilíbrio entre estes dois mundos. Cada um saberá o que mais privilegia em cada uma das situações com que se depara. Como em tudo na vida, também aqui o que mais se deseja é tomar a decisão certa, no momento certo.

No caso do atletismo em concreto, temos o exemplo de atletas portugueses que no passado encheram Portugal de orgulho e que agora nem correm. Uns por opção, outros talvez porque já não tenham condições para tal (lesões crónicas?!). Valeram a pena os sacrifícios do presente a troco das conquistas do passado e da glória? A resposta? Só eles a poderão dar.

 

Ser saudável e estar em forma exige vigilância constante!

Concluindo, mais do que seguir as diretrizes apontadas nesta investigação, o mais importante será termos acesso à mesma. Adicioná-la à nossa base de conhecimento e avaliar as nossas experiências desportivas também com atenção nestes critérios.

Quem visa melhorias no seu rendimento desportivo tem muito a tendência de exagerar nos treinos de alta intensidade. Contra mim falo! Sem a devida recuperação, lá pode vir a síndrome do overtraining. Desta forma, conhecermos os seus sinais e sintomas pode ser muito importante para nos mantermos na fronteira que separa o atleta em forma e saudável do não saudável. Uma linha que não só poderá marcar a diferença nos nossos resultados desportivos, como também na nossa estabilidade emocional e bem-estar do dia a dia.

Por fim, volto a deixar claro que este é apenas o ponto de vista desta investigação. Um estudo ao qual acrescentei a minha perspetiva atual. Certamente que outros terão opiniões diferentes, também consoante cada situação e cada atleta em específico.

Seja como for, o importante a reter é que a credencial de desportista não corresponde automaticamente a um atleta saudável. Não quando a mentalidade “no pain, no gain” é excessivamente levada à letra por atletas e treinadores, como referem Philip B. Maffetone e Paul B. Laursen. Muitas promessas que julgávamos virem a escrever grandes páginas na história do desporto acabaram por as deixar em branco, infelizmente, devido a problemas de saúde e à síndrome do excesso de treino (intensivo).

 

Leitura na integra e na sua forma original do estudo que deu origem a este artigo no Vida de Maratonista: “Athletes: Fit But Unhealthy?” de Philip B. Maffetone e Paul B. Laursen

Referências

Meeusen R, Duclos M, Foster C, et al. Prevention, diagnosis, and treatment of the overtraining syndrome: joint consensus statement of the European College of Sport Science and the American College of Sports Medicine. Med Sci Sports Exerc. 2013;45(1):186–205.

Kreher JB, Schwartz JB. Overtraining syndrome: a practical guide. Sports health. 2012;4(2):128–38.

 

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

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