Não consigo precisar há quanto tempo (deve andar perto de dois anos) passei a consultar…
Lidar com o clima durante a corrida
Preciso de desabafar. Ando com sérios problemas no trabalho. Entenda-se, no atletismo, pois quem faz competição, leva a coisa minimamente a sério. Tenho a memória tão curta, que não sei se isto é apenas uma fase, ou até uma ressaca pós-pandemia (haja um pouco de optimismo). Ou talvez não seja uma questão de memória. Simplesmente, como acontece em muitos empregos, talvez o entusiasmo dos primeiros tempos tenha ofuscado estas impressões que agora tenho.
Seja como for, a verdade é que ando insatisfeito e revoltado com os meus colegas desta empresa. Quero dizer, com o grupo do sector meteorológico: o vento, a chuva, o sol, a neve, além do calor e do frio, que vêm, regra geral, por arrasto. Independentemente do turno em que treine, tenho que levar com esta malta. Se não é com uma, é com outro, havendo dias em que vêm aos pares. E até já houve casos de triângulo amoroso. Estatisticamente, sou capaz de jurar que é a chuva que apanha mais vezes os outros em flagrante, sobrando ainda para mim. Mas o Sol também é menino para sair do esconderijo de repente, quando nada o faz prever. Bem, adiante, que isto é para falar da minha relação com o bando do clima, e não entre eles.
Porque me dá jeito, começo pelo vento. É um falso-falso – o que não dá verdadeiro! – uma vez que funciona ao jeito do típico lambe-botas. Porém, com uma ligeira modificação no seu software. O vento “espeta-me a faca” pela frente, e ajuda quando me vê pelas costas. Se deveria ser ao contrário, também não é por isso que me causa agrado. Afinal de contas, acabo sempre mais prejudicado que favorecido. Já quando está de lado, esteja eu sozinho ou acompanhado, nunca fico descansado.
Relativamente à chuva, é a dona disto tudo. Quando aparece para me supervisionar, quero é terminar o meu trabalho o mais depressa possível, que é como quem diz, correr mais rápido. Nos dias que a DDT se apresenta mais afável e miudinha, o ambiente até fica agradável e o trabalho é bem feito. Todavia, quando me aparece de mau humor, seja lá porque razão for, lá está o empregado, mesmo a jeito, para levar com tamanha fúria. Não há como fugir ou me proteger. É deixar chover, e chover, e chover no molhado, até acabar. Agora imaginem quando o vento aparece no meio desta tempestade. A patroa e a nova versão do engraxa? Ui, dessa então é que ninguém me safa.
Valha-me o Sol. Uma excelente companhia. Num dia normal, claro. Aí, o trabalho faz-se com qualidade acima da média. Mas o homem também tem os seus dias difíceis. E quando assim é, mostra-se tímido e fechado, sendo raro tecer comentário.
Já o frio é alguém muito independente. Regra geral, é desagradável. E não é nada certo! Tanto aparece com um, como com outra. Contudo, aqui entre nós, suspeito que tem um fraquinho pelo sol. É que quando este aparece, fica logo mais suportável.
Com tudo isto, e voltando atrás, fica a ideia que o Sol é um grande companheiro. O tanas! É de gancho! Aparece o calor – que, como toda a gente nesta empresa sabe, é seu filho – e já ninguém o atura. Então quando regressa do Equinócio da Primavera … Que raio acontece nessa festa? Algumas semanas depois, não há máscara que o abafe, nem protector que me proteja. Fico queimado, só de o aturar.
Finalmente, a neve. Confesso que nunca a vi mais gorda. Nem magra. É muito, muito raro aparecer na minha zona. Anda mais para outras bandas. Com sorte, encontro-a uma vez por ano. No evento da moda das empresas: o team building. E só quando o jantar é nas Penhas Douradas! Ela diz que prefere os serviços internacionais, e eu cá não me importo.
Chegado a este ponto, fica a ideia que não é nada fácil aturar esta gente. Compreendem a minha dor? Nah. Não se iludam com este meu palavreado. Porque nos raros dias em que nenhum deles aparece, em que me vejo reduzido à simples obrigatoriedade de me localizar no espaço e no tempo, sou confrontado comigo mesmo. Sozinho, não há para onde escapar. Tenho de me aturar. Ouvir as vozes interiores que o ruído desta gente (e de outras) tantas vezes tapa. E aí é que elas mordem. Vejo-me confrontado com as minhas virtudes e defeitos. E, acima de tudo, pela maneira como sobressaem nos meus comportamentos. Bolas! Ainda levo nas orelhas. Talvez fiquem vermelhas como quando, reza a lenda, estão a falar de nós, algures neste mundo. A esfrega é de tal ordem que no dia seguinte já encaro os meus colegas de trabalho com outros olhos. Com outro espírito. Mas só por uns dias. Depois volta tudo ao mesmo.
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
Créditos Foto: Jornal de Belmonte
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