Findado o ano 2023, posso agora fechar esta rubrica. E, para o fazer da melhor…
Uma equação para regular a intensidade da corrida
Quando comecei a correr, na minha cabeça, o plano de treino era muito simples. Além de não ter em consideração as diversas variáveis externas à hora do treino, o plano era todo ele uma espécie de copy paste que só mudava nas semanas das provas. Ou seja, se à 4ª feira fosse dia de treino intervalado, então não havia hipótese de alteração. O corpo não tinha o direito de se manifestar, muito menos a meteorologia, mesmo que com isto se perdesse toda a qualidade do treino. Porém, com a experiência acumulada, as coisas começaram a mudar. Não só dentro, como fora do treino. Comecei a realizar o treino específico em dias e locais que reuniam as condições mínimas, e vários factores externos ao exercício – alguns deles com repercussão nas sensações do corpo e da cabeça – começaram a ser tidos em conta.
Apesar de tudo isto, continuo a ter muito que aprender (o que me fascina!). Todavia, não deixa de ser curioso que, para mim, actualmente, a decisão do treino de cada dia tenha como base diversos factores. Como resultado, passou a ser (mais ou menos) possível converter esse cálculo mental numa equação matemática, a fim de avaliar a minha condição de uma maneira global. E assim nasceu este artigo, que tem boas possibilidades de sofrer afinações nos próximos tempos. Independentemente disso, por agora, se me pedissem para transformar a minha avaliação da condição física de cada dia numa equação, com vista a decidir a intensidade que posso impor no treino (nunca esquecendo as sensações!), seria esta:
Passo então a explicar a equação. TODAS as variáveis devem ser substituídas por um valor entre 1 e 5. Em todas elas, o valor 3 representa aquilo a que o corpo está habituado (as rotinas). Já os valores 1 e 2, no caso das variáveis sn (quantidade de sono) e di (descanso indirecto), representam um decréscimo das horas de repouso em relação ao “normal” (número 3), enquanto os valores 4 e 5 traduzem-se num aumento dessas mesmas horas. Por outras palavras, quanto mais perto do 5, maior o número de horas de recuperação a que o corpo esteve sujeito.
Em contrapartida, no caso das restantes variáveis: qm (quilometragem), an (esforço anaeróbico ou no limite aeróbico), ef (esforço físico extra treino de corrida) e sa (stress acumulado), o valor 1 representa um maior desgaste (mais quilómetros, mais stress acumulado, etc …), e o valor 5 representa o mínimo de desgaste possível.
Antes de falar sobre cada variável em específico, é igualmente importante referir que os valores a atribuir devem ser baseados nas últimas 72 horas (3 dias). Ou seja, para atribuir um valor de 1 a 5 à quantidade de sono (sn), deve ser feito um apanhado do sono, nas últimas 3 noites.
As variáveis da equação
sn: representa, acima de tudo, a quantidade de sono, mas o valor a atribuir pode ser ajustado também com base na qualidade do mesmo;
di: representa o descanso indirecto, isto é, todos aqueles momentos em que foi possível o corpo repousar e que estão para lá do sono normal. Podem ser sestas ao longo do dia, ou simplesmente momentos em que houve sossego em termos mentais e físicos (quietos e sem estar a gerar stress);
qm: a quilometragem total dos últimos 3 dias, sendo que o valor 3 corresponde (mais coisa, menos coisa) ao habitual. Para além da diferença em relação à média do costume, tem interesse considerar os percursos (em plano, sobe e desce), isto é, se as dificuldades acumuladas também não fugiram ao hábito.
an: treinos que agregaram esforço anaeróbico ou no limite do aeróbico. Por outras palavras, treinos mais intensos e desgastantes. Se na véspera foi realizado um esforço anaeróbico, então, à partida, deixa de fazer sentido esta equação, pois o dia actual deve ser tranquilo. Se esse esforço foi há 2 ou 3 dias, é possível fazer o cálculo, sem desconsiderar o tempo total dispendido nessas intensidades mais altas.
ef: o esforço físico extra corrida. Nesta variável, tento contemplar o desgaste físico proveniente da vida profissional, académica, de outra tarefa diária que exija este tipo de desgaste e, além disto, outro tipo de treino. Para lá da corrida, há sempre complementos a este treino, como é o caso do trabalho de ginásio, dos exercícios pliométricos, entre outros, que, de alguma maneira, tento medir aqui o seu impacto.
sa: stress acumulado ao longo dos últimos 3 dias. Há algum tempo atrás, falei aqui do impacto da “hormona do stress” (cortisol) no rendimento desportivo, pelo que esta variável me parece fundamental nesta equação. Se por algum motivo familiar, de trabalho, ou outro, os niveís de stress estiveram mais elevados (ou muito mais!), então convém não substimar o impacto dessa subida no rendimento desportivo.
Posto isto, falta apenas falar da pontuação final (o resultado da equação), que dá uma ideia da condição actual. Esta equação contempla valores entre os 20 e os 100 pontos. Os 20 pontos podem traduzir-se em “obrigatório descansar”, e os 100 pontos legendados como “preparado para qualquer tipo de treino”. Como é fácil de ver, a meio caminho ficam os 60 pontos. Tudo o que seja para baixo disto, o treino ideal parece ser “rolar lento ou tranquilamente” e, a partir dos 33 pontos para baixo, o melhor talvez seja mesmo não correr nesse dia. Em vez disso, fazer antes umas caminhadas tranquilas, ou algo do género. Em sentido contrário, penso que, entre os 70 e os 80 pontos, um treino no limite aeróbico já seja “aceitável”, passando mesmo a “recomendável” dos 80 para cima, onde entram em jogo os vários tipos de esforço anaeróbico. Quanto mais perto dos 100, maior a liberdade de escolha.
Assim concluo a explicação desta equação, que visa estimar a máxima intensidade de treino recomendada para o dia em vigor. Como disse em cima, a experiência vai continuar a aumentar, pelo que é bem possível que venham ser feitos novos ajustes, seja nos coeficientes atribuídos às diversas variáveis, seja na inclusão de novas. Infelizmente, não é possível contemplar TUDO o que influencia a qualidade do treino (como me parece ser o caso da alimentação), nem as especificidades das vidas de cada indivíduo. Apesar disso, é uma tentativa de englobar o que afecta a grande maioria dos corredores. E se não quiserem fazer as contas no papel, podem usufruir da calculadora com esta equação já de seguida. Bons treinos!
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.
Imagem de Capa: Jeswin Thomas no Pexels
Artigo interessante. Parabéns!
Muito obrigado, Nelson Lourenço 🙂
Bons treinos!