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Joaquim Gomes - Atletismo Rio Largo Clube De Espinho - Corrida Das Vindimas

Joaquim Gomes – Estreia na Maratona aos 56 anos… já soma 20!

Nota de Abertura: Este artigo dá início a uma secção bem diferente de todas as outras, aqui no Vida de Maratonista. Um espaço de conversa com pessoas ligadas ao atletismo nacional que, por um ou mais (bons) motivos, a par da amizade, são exemplos e referências para mim. Seja pelas suas atitudes e comportamentos, pelas suas superações, pelas suas vitórias, ou por outro motivo qualquer digno de registo, nestas pessoas encontro o espírito solidário e competitivo que, a par da superação, me faz olhar para o atletismo de maneira tão especial. Pessoas onde identifico os valores do desporto e da vida que, aos meus olhos, devem continuar a ser cultivados por mim e pelos mais novos. Em linguagem moderna, os meus influencers.

 

Joaquim Gomes: A primeira escolha!

De forma a inaugurar este espaço da melhor maneira, quem mais poderia eu escolher do que o inevitável Joaquim Gomes? Depois de 9 provas a correr como individual, o Rio Largo Clube de Espinho foi o primeiro símbolo que carreguei ao peito enquanto practicante de atletismo. Por lá fiz muitos amigos, que hoje ainda preservo, nomeadamente o Sr. Gomes.

Desde essa altura que ele se tornou uma verdadeira referência para mim. Tanto dentro como fora da estrada, embora na primeira, como o próprio confessa, nos últimos anos tem malandrado mais nos treinos. O Sr. Gomes (que eu só trato por Joaquín [em espanhol] quando é para lhe dar ânimo nas provas; é o que dá ir correr a Espanha e ouvir “força Joaquín“) tornou-se um apoio fundamental nesta minha aventura e luta diária. Enquanto atleta do Rio Largo, lembro-me de algumas provas em que só íamos os dois representar o clube, e eu tinha a sensação que ele ia mais para me dar apoio do que para fazer a corrida dele.

Quando no final de 2018 mudei de clube, nada mudou entre nós, pelo que a minha onda de gratidão para com ele manteve-se inabalável. Em novembro do ano passado, no Porto, o Sr. Gomes completou a sua VIGÉSIMA (20º) maratona, 10 anos depois de fazer a sua estreia na distância mítica. Nessa altura, lancei-lhe o convite desta conversa pública a falar um pouco do seu percurso e a divulgar este seu feito. Ele prontamente aceitou, pelo que com alegria partilho aqui o passado e o presente deste (pelo menos meu) símbolo do atletismo, cuja maioria de nós tem o privilégio de correr lado a lado em muitas provas nacionais e internacionais.

 

Joaquim Gomes - Atletismo Rio Largo Clube de Espinho

 

À conversa com Joaquim Gomes

Depois de uma prova de cortar a respiração e de um almoço digno da palavra, iniciávamos a viagem de regresso a casa. O momento certo para um outro ponto fundamental do ritual de um dia de uma prova: falar sobre aventuras do atletismo, desta vez inseridas nesta minha proposta. “Sr. Gomes, com que idade começou a correr?“, abri eu o diálogo. “Com 44 anos, numa brincadeira”, diz-me ele. A partir daqui, se eu tinha algumas perguntas na manga para lhe fazer, bem que tive que esperar, que ele facilmente desbobinou o seu percurso.

“A minha primeira prova foi a Corrida do Castelo (Santa Maria da Feira)”, continua o Sr. Gomes. “Levei um empeno, aí que empeno!”. Eu, que sigo atrás no carro, e o nosso amigo Daniel Lopes, que conduz o veículo, soltamos as primeiras gargalhas de uma conversa que já se perspectiva longa. “Levei um par de sapatilhas muito pesado, daqueles de andar e de lazer … ai que empeno que eu levei …”, reforça. No seguimento da conversa, revela que fez 1 hora e 6 minutos nessa prova e que as primeiras provas em que participou ia com amigos e era um cabeleireiro que os inscrevia.

Da Corrida do Castelo saltamos para a primeira meia-maratona que o Sr. Gomes fez. Eu, na luta por apontar o máximo de informação e satisfazer a minha curiosidade, forço-o a voltar atrás. “Então e como eram os seus treinos nesses primeiros tempos?“, pergunto. “Nesses primeiros tempos, eu treinava com uns amigos que iam fazer 5 km até Miramar. Mas eu só fazia quilómetro e meio e depois ficava à espera deles”. A gargalhada é geral e a conversa retoma o seu percurso principal, rumo à sua primeira meia maratona, que foi em Esposende. “Fiz-la 2 ou 3 anos depois de começar a correr, com o tempo de 1 hora e 44 minutos.” Ninguém solta um comentário em género de avaliação, mas a constatação da evolução da Corrida do Castelo para a Meia Maratona de Esposende é evidente.

 

A filiação no Rio Largo Clube de Espinho

Depois de saber que correra como individual no início, e suspeitando que só representou o Rio Largo Clube de Espinho, tenho que lhe fazer a pergunta: “então e quando é que se juntou ao Rio Largo?“. “Aos 51 anos”, revela. “Na altura entrei juntamente com o meu filho para o acompanhar”, completa. Ora, como eu tenho o privilégio de receber o apoio do Sr. Gomes, nas palavras desta sua revelação encontro aquilo que o caracteriza tão bem: um apoio incondicional e uma disponibilidade de larga escala para com aqueles que lhe são próximos.

Segue-se a revelação de que o filho viria a desistir do atletismo pouco depois, mas não sem antes uma troca de palavras entre ele e o Daniel, em que ambos confirmam o potencial que ele tinha no atletismo. Apesar da desistência do Gomes mais novo, o pai continuou no clube. Quanto à nossa conversa, ela chegava finalmente ao tema central do percurso do Sr. Gomes: a (primeira) maratona!

 

A estreia na Maratona de Joaquim Gomes (com 56 anos!)

É minha convicção que a melhor altura para motivar os atletas à participação nas provas é à mesa, reunidos precisamente com os nossos amigos de clube e/ou do atletismo em geral. Já presenciei algumas situações (pós-prova!) que encaixam neste contexto, e esta conversa com o Sr. Gomes revela-se mais uma prova disso, no momento em que ele conta como se inscreveu na sua primeira maratona. “Foi logo após um jantar do Rio Largo. Numa conversa entre vários atletas, decidimos que íamos fazer a maratona no ano seguinte (2010) e até se começaram a perspectivar os tempos que cada um ia fazer. Eu, a correr e a caminhar, fiz 3 horas e 19 minutos.

Numa grande jornada, é fundamental aprender a desfrutar e a valorizar o caminho percorrido e as dificuldades ultrapassadas. Encaro isto como uma lição de vida, muitas vezes personificada na longa preparação que nos leva até  ao dia da maratona. Porque só este acumular de peripécias e emoções é capaz de nos proporcionar a tão deseja onda de felicidade e realização quando chegamos ao destino.

Reforço esta minha convicção ao ouvir o Sr. Gomes que, por iniciativa, prefere falar do desempenho que teve na Meia-Maratona de Vigo-Baiona do ano 2019. Uma prova onde foi inscrito pelos amigos do Grupo Desportivo dos Leões do Veneza. O Sr. Gomes fez a prova em 1 hora e 26 minutos, tendo sido o melhor classificado do clube que vestiu a camisola nesse dia. “Depois da prova, o pessoal dos Leões de Veneza estava à minha volta como se eu fosse um herói”, recorda, sem esquecer a sua determinação: “Fui sem medo nessa prova. Ninguém me conhecia, pelo que se estourasse também não havia problema nenhum.”

 

Joaquim Gomes - Atletismo Rio Largo Clube de Espinho - Eco Meia Maratona de Coimbra 2018

 

Os anos de maior motivação

Mas se alguém ousasse duvidar do seu resultado na Meia-Maratona de Vigo-Baiona, a confirmação desse resultado não tardaria em chegar. Cerca de dois meses depois (Maio 2009), o Sr. Gomes iria correr a Meia Maratona do Douro Vinhateiro com um registo na casa da 1 hora e 25 minutos e 53 segundos. O seu recorde pessoal na distância até à data. Uma prova onde não deixa de destacar alguma rivalidade que tinha com um dos seus amigos de clube, António Caneca. “Nesse ano, o Caneca fez 1 hora e 24 minutos, por pouco não o apanhei!”, para depois projectar a expressão “Vem aí o Gomes! Vem aí o Gomes!” que o amigo terá dito para si mesmo enquanto lhe “fugia” nessa prova.

Embora a estreia na maratona tenha acontecido em 2010, estas meias-maratonas do ano 2009 em que o Sr. Gomes conseguiu os seus melhores tempos marcam uma das suas fases de maior motivação no atletismo. Em 2011, na sua segunda participação na Maratona (novamente no Porto), Joaquim Gomes viria a alcançar o seu recorde pessoal na distância, com um registo líquido na casa das 3 horas e 13 minutos. Quinze dias antes, tinha feito um último treino longo  e passado bastante mal devido ao consumo de mel.  Nesta altura da sua narrativa, recorda, juntamente com o Daniel, que foi precisamente ele quem o foi buscar à Aguda (Arcozelo) por ele ter ficado a “meio caminho” nesse treino.

Depois começaram a aparecer as lesões, e com isso alguma desmotivação e desleixo com o treino. Um tema que serve também para confessar que no presente se balda um pouco aos treinos. Apesar disso, nos últimos anos o Sr. Gomes correu mais maratonas que em anos anteriores, algumas delas apenas com duas ou três semanas de intervalo. Reconhece que poderia conseguir melhores resultados se fosse mais assíduo nos treinos e, caso isso se verifique, acredita inclusive voltar a correr a meia-maratona em 1 hora e 30 minutos. Quanto às maratonas, como sempre apregoou nos últimos anos, só as abandona quando precisar de 4 horas para as fazer, algo que nunca aconteceu.

 

As Maratonas de Joaquim Gomes

AnoMaratonas
2010Porto
2011Porto
2012Porto
2013Sevilha, Porto
2014Lisboa, Porto
2015Porto
2016Amesterdão, Porto
2017Madrid, Porto, Valência
2018Badajoz, Budapeste, Porto
2019Milão, Aveiro, Lyon, Porto

 

Contrato vitalício com o Rio Largo Clube de Espinho

Percebo que estes números possam chamar à atenção de vários empresários e dirigentes desportivos para a contratação do Sr. Gomes. Todavia, lamento informar, o seu compromisso com a secção de atletismo do Rio Largo é vitalício. A não ser que o clube acabe, ele estará sempre ali. E mesmo que deixe de existir, há uma grande probabilidade de ele continuar a correr com as camisolas do clube (que são suas!).

Por outro lado, os agentes da maratona atentos a esta entrevista devem também saber da importância que é ter uma cerveja à espera dos atletas no final da prova. Porque sem isso o Sr. Gomes não passa! Ou têm a sorte de ter um estabelecimento perto da meta que lhe permita hidratar desta maneira no final da longa corrida, ou estão a comprometer a hipótese de contar com a presença deste atleta. Este ponto que o caracteriza tem um outro lado menos positivo que o próprio confessa. O reduzido consumo de água/parca hidratação diária. Em provas, releva só recorrer consumir água nas maratonas e em pequenas quantidades. Se encontrar coca-cola ou outro refrigerante, a água bem que fica na mesa ou na mão do voluntário que a oferece.

 

O desejo de ser recordista em Espinho

A confissão do parágrafo anterior surgiu a partir da pergunta que já tinha em mente antes do início desta conversa. Depois de apontar as localizações das 20 maratonas, questiono-o: “Sr. Gomes, se este ano pudesse fazer 5 maratonas, você fazia?“. A resposta é afirmativa e, ao mesmo tempo, um incentivo para o Daniel, presidente da secção e que vai a conduzir, para pensar em mais maratonas para ele fazer.

De destacar que o Sr. Gomes vai completar 66 anos neste 2020. Mas desenganem-se aqueles que pensam que ele faz as maratonas no limite. Ele corre grande parte da maratona, caminhando um pouco se sentir necessidade disso, mas acaba bem as provas e com o seu limite das 4 horas mais do que controlado em grande parte das vezes. Muito poucas foram as maratonas que terminou acima das 3 horas e 45 minutos.

Ao contrário de mim, que vou ou tento tirar os meus limitadores para chegar o mais depressa possível ao final da prova, o Sr. Gomes percorre os trajectos com “à vontade”. Sendo esta uma característica que lhe reconheço, faço-lhe a pergunta dessa perspectiva: “Qual o seu objectivo num dia de prova?“. A resposta é clara: “Não quero desistir! Quero controlar a minha corrida e a partir daí fazer o que puder”. Uma abordagem ao desafio que o liberta de qualquer nervosismo ou preocupação antes da prova.

Relativamente ao recorde do número de maratonas percorridas, tudo indica que será o detentor do mesmo na freguesia de onde é natural (Perosinho) e onde vive (Serzedo). Curiosamente, com o sistema da União de Freguesias que entrou em vigor, agora são a mesma. Desta forma, o objectivo maior do Sr. Gomes é conseguir ser o detentor do recorde na cidade do clube que representa, ou seja, em Espinho. Com a perspectiva de continuar a somar maratonas desta maneira, terá mesmo de começar a fazer as contas neste sentido.

 

Joaquim Gomes - Atletismo Rio Largo Clube de Espinho | Corta Mato Longo Vale de Cambra

 

Montanha: a menina dos seus olhos!

A viagem de carro está quase a terminar e, depois de recordar todas estas peripécias agradáveis, começo a ter espaço para algumas perguntas que trouxe na manga. Conhecedor de que o Sr. Gomes já correu em todo o tipo de provas (pista, montanha, trail, corta-mato e estrada), pergunto-lhe qual é a superfície que prefere. A resposta é peremptória: “Montanha! O meu objectivo são as maratonas, mas é na montanha que me sinto como um peixe na água. Lá posso correr e caminhar à vontade”.

 

Uma aventura inesquecível?

Se eu ainda não tenho 5 anos de vida e já conto com tantas peripécias e aventuras neste panorama, o que dizer do Sr. Gomes que já leva mais do dobro do meu tempo. Como tal, peço-lhe uma aventura que lhe tenha ficado bem gravada na memória. “Um sábado. Fiz um treino de 1 hora e 40 minutos de manhã com um amigo, e à tarde estive no corta-mato longo em Vagos. Fiz uma prova de categoria!”, recorda com entusiasmo, acrescentando ter ficado à frente de um amigo do clube que normalmente ficava à sua frente. “Ninguém se acreditava que eu tinha feito 1 hora e 40 minutos de manhã”, remata.

 

A recessão do atletismo português

Com a viagem mesmo a terminar, não posso vir embora sem antes ouvir o seu parecer sobre esta matéria que é tão motivo de curiosidade como de preocupação para mim. O estado do atletismo português. Afinal de contas, o Sr. Gomes presenciou duas fases distintas. Primeiro, os anos de ouro de Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Aurora Cunha, António Leitão, entre outros. Agora, os anos de crise que vivemos, com escassas referências a nível internacional. “A diferença é que antigamente os atletas aplicavam-se mais”, observa. “Não havia as condições ou as sapatilhas que há hoje, mas também não havia tantas distracções. Enquanto nós passamos o tempo nos shoppings e afins, os atletas de antigamente passavam o tempo a treinar, treinar e treinar”. Para reforçar esta sua perspectiva das distracções, faz uma comparação deveras peculiar, mas fácil de entender: “É como se chamássemos o pessoal do interior para aqui (litoral). Eles dão valor a coisas que nós não damos”.

 

Joaquim Gomes - Atletismo Rio Largo Clube de Espinho - GP Atletismo Os Ílhavos

 

Vem aí o Gomes! Vem aí o Gomes!

Ao tratar toda a informação recolhida ao longo da conversa que deu origem a este artigo, a expressão “Vem aí o Gomes!” ficou na minha cabeça. Não sou do tempo em que o António Caneca a terá utilizado para fugir ao Sr. Gomes na Meia Maratona do Douro Vinhateiro, em 2009. Contudo, sou testemunha que o Sr. Gomes é uma espécie de relógio nas maratonas, e até nas meias, se não estiver doente, lesionado e andar a treinar. Os mais novos, que o conhecem e costumam andar um pouco mais rápido do que ele, sabem que, em caso de dia mau, se arriscam a ser ultrapassados por ele e, portanto, começam a fazer contas e a olhar para trás até que: “Vem aí o Gomes!”. Ouvir estas confissões dos atletas no pós-prova, em modo convívio, é do melhor e do mais puro que se pode ter e apreciar enquanto desportista.

Por fim, desenganem-se aqueles que pensam que o Sr. Gomes, se estiver em boa forma, passa sempre e não espera por quem quer que seja. Se o ritmo dele encaixar com o de alguém que ele possa ajudar, fazer amizades novas em prova é com ele. Caso ninguém precise de ajuda, mas haja motivo para conversa, ele também segue a seu ritmo, ao mesmo tempo que dá “duas de letra” em plena competição.

Obrigado ao Sr. Gomes por ter aceite este meu convite 🙂

 

Nota: O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.

Créditos Fotos: Caldas de S. Jorge Sport Clube (Secção de Atletismo), António José Leite, Eco Meia Maratona de Coimbra, José António Silva, EventSport

 

Ligado ao desporto desde pequeno, deixei definitivamente o futebol em 2016 para me dedicar afincadamente ao atletismo. Desde aí que muita coisa mudou na minha vida, a qual não imagino sem o desporto.

O Vida de Maratonista nasce então da minha paixão pelo atletismo, com contribuição especial da minha Licenciatura em Engenharia Informática, que me permitiu criar a solo este espaço de aventura e opinião, e torná-lo agradável a quem o visita.

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